Não é o que se diz, é como se diz. Ou como se conta o desporto no feminino

Nadia Bonjour, ao centro, entre alguns dos jornalistas que estiveram a ouvi-la no COP e no quadro da preparação para os Jogos de Paris

Nadia Bonjour é consultora de Comunicação especializada em representação de género e desporto, e esteve no Comité Olímpico de Portugal a passar uma ensagem: “Não é o que se diz, é como se diz”. Ou seja, é preciso ter cuidado com a representação do feminino no desporto.

“Uma das coisas importantes em como se descreve  é ser neutro em relação ao género”, disse no encontro com jornalistas e dirigentes na sede do Comité Olímpico, em Lisboa, numa sessão que também procurou servi0r de preparação a quem vai aos Jogos Olímpicos de Paris, no Verão próximo. A sua apresentação tinha como título “Reframing gender in Sport”, que se pode traduzir como “Reescrever o género no Desporto”.

Em Tóquio, 48% dos atletas eram do género feminino, em Paris espera-se que sejam mesmo metade Portuguesas eram 39%. Quanto aos media portugueses, só 9,5% eram mulheres. Nadia Bonjour diz que na Suécia há bons exemplos de cobertura jornalística alargada sobre desporto no feminino, mas não há números em relação a Portugal sobre a quantidade de notícias que  os media dão em relação ao desporto masculino.

“As palavras moldam o mundo”, diz a consultorae portanto “as palavras contam” e põe o tom no género. E citou do Financial Times. “Ela não é uma boa mulher cavaleira, é uma boa cavaleira. Ponto”. E por isso “é tempo de mudar o ângulo”. Ninguém pergunta ao rafael Nadal como é ser pai de gémeos, mas é fácil perguntar a uma mulher como foi ser mãe, ou então porque está vestida assim.

“Sou meio inglesa, com raízes perto de Manchester, estudei na Inglaterra e rapidamente me disseram que tinha que neutralizar o meu sotaque. Hoje a BBC procura ter gente de todos os lados de Inglaterra, ter mais diversidade de sotaques e de maneiras de falar de forma a ser mais inclusiva”. As palavras contas, o sotaque também.

Optar por imagens respeitadoras, neutras no género. “Não é não dizer mal de alguma mulher que tenha jogado mal, ou que não tenha estado á altura num dado momento desportivo – não, pelo contrário, encoraja-se que haja essa igualdade. Ter cuidado”.

Dá algumas ideias para se treinar – e é preciso treino. Criar conhecimento, por exemplo, procurando saber o que dizem do que escreveste, através dos comentários; procurar novas lógicas, construindo um diretório de diversidade de ‘storytelling’. Ser criativo porque é importante.

Ricardo Espírito Santo, Realizador ‘Realizar também é jornalismo’

Ricardo Espírito Santo, Realizador, como Troféu CNID Excelência

O Realizador Ricardo Espírito Santo recebeu finalmente o Troféu CNID Excelência que lhe foi atribuído  em 2020 e que distinguiu uma profissão que o CNID – Associação dos Jornalistas de Desporto normalmente não premeia. 

O Realizador e diretor da Terra Líquida Filmes, produtora que fundou em 2008, continua a ter o bichinho de realizar futebol. ‘Pôr o futebol na televisão é uma coisa única. Porque é ali, no imediato, é o momento que dita tudo, Adoro fazer isso e continuo a achar que tenho jeito para fazer isso’.

Nascido a 13 de Agosto de 1960, em Espinho, Ricardo Espírito Santo foi controlador aéreo antes de optar pela realização na SIC, que começava, com Emídio Rangel à frente. Passou pelas televisões todas, realizou o Amo-te Teresa, o famoso telefilme da SIC, documentários, tudo. E muitos jogos de futebol. Era ele que estava ao leme a 25 de Janeiro de 2004, num Gumarães-Benfica, em que o húngaro Miklos Feher tombou inanimado e nunca mais se levantou. RES percebeu cedo que o caso era grave e os planos que deu aos espectadores foram à distância, não intrusivos, numa realização que foi elogiada por toda a gente. Pela sua humanidade, pela forma como respeitou um momento que se vive uma vez na vida. Porque a imagem estava com Feher no momento em que este se vergou, pôs as mãos nos joelhos e caiu. Disse, na altura, que tinha dado ordens para não haver imagens ao perto e que a concorrência não pode justificar tudo.

Em 2020 houve o chamado caso Eriksen, o dinamarquês que tombou inanimado durante o jogo do Campeonato da Europa frente à Finlândia e correu sérios riscos de vida. 

Vinte anos depois, RES recebe o nosso Óscar. O futebol hoje joga-se no campo e na televisão, daí a importância do realizador, que tem à sua disposição às vezes mais de 20 câmaras para dar todo o pormenor – e às vezes falham-se coisas importantes. A realização televisiva de um jogo faz parte da realidade do jogo, de como todos o percebemos hoje. Por isso se justifica que o Jornalismo olhe para a televisão e se envolva com os seus pormenores técnicos. Um ‘frame’, às vezes, é o suficiente para o VAR mudar um jogo. 

Ricardo Espírito Santo em breve mas significativo discurso direto:

‘Creio que a condição fundamental [para se ser realizador] é amar o futebol. Desde puto que gosto de bola e, creio, esse conhecimento técnico do jogo reverteu em meu favor quando me tornei realizador.

‘Ser dotado de sangue-frio, a pressão em Portugal é desmesurada e o trabalho desenvolve-se a uma velocidade alucinante. Dominar 20 câmaras é de grande exigência profissional.

‘Em certo sentido, a realização de futebol é jornalismo. Isenção, ser fiel ao revelar o que se passa no relvado, nunca ceder a pressões (tive algumas), mostrar os factos e deixar as interpretações para os espectadores. E, a meu ver, assumir também um papel pedagógico, não pactuar com nenhum tipo de manipulação e/ou exploração de certas  imagens para cumprir desígnios obscuros.’

As novas competições da UEFA

As competições europeias no ciclo  2024-27 têm muitas novidades e a UEFA está a fazer um esforço de explicação, para que a mensagem chegue aos adeptos. O ‘briefing’ de Giorgio Marchetti, secretario-geral adjunto da UEFA em Londres, no Hotel Waldorf Hilton, juntou uns quinze jornalistas convidados e por deferência da UEFA, também o presidente do CNID.

  • Como já se sabe, as três provas, Liga dos Campeões, Europa e Conference Leagues  deixam de ter uma fase de grupos e passam a ter uma fase com um único grupo de 36 equipas (em vez de 32 divididas por quatro grupos) que se disputa no denominado sistema suíço – cada equipa joga com duas de cada um dos quatro potes (que assim continuam a existir); um total de oito jogos que se estendem de Setembro a Janeiro;
  • O sorteio passa a ser híbrido, mas quase todo por computador e quase nada manual – para continuar a ser com as bolas demoraria, segundo Marchetti, três ou quatro horas;
  • Vão tentar proteger o país, mas pode acontecer que haja, na fase de liga, de grupo único de 36 equipas, duas equipas do mesmo país a defrontarem-se mas  nenhuma equipa jogará com mais de duas equipas do o mesmo país
  • Na Champions passa-se de 32 para 36 equipas na fase Liga. Um lugar novo será para a Federação com o 5. lugar no ranking, que até agora só tinha duas equipas; outro lugar para um apurado do “caminho dos campeões” e os outros dois para as federações que tiverem os dois melhores desempenhos do ano anterior (neste momento Alemanha e Itália). Nas últimas cinco épocas, a Inglaterra foi a melhor em quatro. Portugal está em nono lugar atrás de Holanda, Chéquia, Turquia…
  • A UEFA defende que vai haver mais jogos e melhores, ou seja, com melhores equipas a defrontarem-se e esse é um dos motivos para terem optado por este caminho; acredita que vai haver uma competitividade maior na fase de liga e mais diversidade (até agora defrontava-se três equipas, agora serão sete diferentes, metade em casa e metade fora ponderado segundo os potes); ao mesmo tempo, expande-se a participação e melhora-se a qualidade
  • Passa-se de 32 para 36 equipas em cada fase de Liga e de um total de 96 para 108 equipas 
  • Os primeiros oito  ficam apurados para os oitavos-de-final, os últimos doze ficam fora da Europa – não há mais descidas para as competições abaixo; as simulações que foram feitas mostram, diz a UEFA, que serão precisos sete pontos para ficar entre o 9º e o 24º lugar – essas 16 equipas jogam um play-off; as equipas entre o 9º e o 16º lugar serão cabeças-de-série no sorteio e, em princípio, diz a Uefa, jogarão a segunda mão em casa. Chegou a discutir-se na UEFA, por proposta de Theodoridis, que cada clube fosse escolhendo o adversário, á americana, como na cerimónia do ‘draft’, mas não passou. “Grande parte destas mudanças vêm das conversas com os treinasdores que fazemos há anos e nenhum, nem um, queria esse sistema”, disse Marchetti. “E, já agora, todos quiseram jogar em casa a segunda mão, apesar de haver dados que indicam que isso já não é tão importante e que se joga da mesma forma em casa e fora”.
  • no próximo ciclo 1.2B€  gerado na Champions não será distribuído nesta competição, mas pelas outras – representa pelos cálculos de Marchetti um terço das receitas geradas pela principal competição de clubes.
  • a última jornada será toda à mesma hora e mesmo dia e vai ser um desafio para a sala VAR
  • A primeira jornada de cada uma das três provas terá uma semana dedicada – ou seja, naquela semana só se joga Champions, ou Europa ou  Conference.

 

Giorgio Marchetti, secretário-geral adjunto da UEFA no uso da palavra(em pé à esquerda) e Theodore Theodoridis (sentado) secretário-geral, no ‘briefing’ de apresentação das novas competições europeias em Londres

CNID solidário com a greve dos Jornalistas

Em dia de greve dos jornalistas, o CNID apresenta a sua solidariedade com uma luta justa e necessária na defesa da nossa profissão.

O salário e a remuneração das horas extraordinárias, o cumprimento da lei do Código de Trabalho e do Contrato Coletivo de Trabalho, as condições materiais e éticas para o cumprimento da função, a intervenção do Estado no garantir da sustentabilidade financeira do jornalismo e a atualização das estruturas regulatórias da comunicação social e do jornalismo são as questões apresentadas pelo Sindicato dos Jornalistas no seu caderno de encargos que o CNID acompanha e apoia.

Os jornalistas, colaboradores e demais trabalhadores na área do desporto sentem na pele as consequências negativas de um forte desinvestimento, financeiro e social, na informação.

A importância dos jornalistas para uma vida em democracia é inegável. Lutar pelos seus direitos e condições de trabalho um imperativo.

A todos os jornalistas que hoje estão em luta, o CNID apresenta o seu apoio.

Lisboa, 14 Março 2024

A Direcção

Faleceu Carlos Pereira Santos

Carlos Pereira Santos em Outubro passado, na apresentação do seu livro “Ao pé coxinho”, que tem ilustrações de Ângelo Machado

O Jornalista Carlos Pereira Santos, Prémio Jornalista do Ano Neves de Sousa em 2023, faleceu segunda-feira no Hospital de Matosinhos, aos 62 anos. Era Chefe de Redação do diário O Jogo depois de uma longa carreira que o levou ao extinto ‘O Comércio do Porto’, até ‘A Bola’ e também ‘O Jogo’.

É autor de vários livros, o último dos quais com o título “Ao pé coxinho”, apresentado apenas há alguns meses. Homem de Leça, era irmão do diretor de ‘O Jogo’, Vítor Santos, e tio de Mónica Santos, até há pouco também jornalista no diário desportivo portuense. A eles especialmente, mas também ao resto da família, aos filhos Rodrigo e Carlos Jorge, o CNID apresenta as mais sentidas condolências.

Pelas redes sociais há inúmeros testemunhos da influência que Carlos Pereira Santos, por muitos conhecido por ‘P’ apenas, teve na carreira de tantos jornalistas. Deixa, por isso, um legado muito importante e vasto entre colegas, pela sua personalidade e pelo seu registo como Jornalista.

Uma entre tantas, a de Eugénio Queirós:

“Uma mente criativa, uma pena de escrita fina, amigo para todas as ocasiões, não era perfeito como ninguém é mas distinguia-se da massa bruta não apenas pelas suas qualidades como jornalista.
O Carlos morreu hoje mas tudo o que representa para os seus amigos continuará connosco até ao fim que nos espera a todos.
Tu sabes bem como eu gostava de ti.”

O funeral será quarta-feira, dia 6,, às 15 horas, na Capela do Corpo Santo de Leça da Palmeira.

Carta a um jovem Jornalista

(Este artigo surge na sequência de várias notícias surgidas sobre uma entrevista feita por Afonso de Melo a Deco e publicada no passado dia 9 de Fevereiro na revista Luz do jornal Sol. Fala da forma como hoje se vvai buscar informação a outros órgãos de Comunicação e muitas vezes sem citar a fonte. O CNID gostaria de receber outras opiniões sobre este tema, de jornalistas ou até não jornalistas, de forma a debater a questão. Sintam-se convidados a darem a sua opinião) 

Por Afonso de Melo

Aeroporto de Barajas, 14 de Fevereiro de 2024

Enquanto espero pela ligação que me levará até Lisboa depois de uma semana de trabalho na Arábia Saudita, passo os olhos sobre as notícias online e pelos pdfs dos jornais desportivos portugueses. No espaço de menos de 15 minutos deparo-me com:

– explicou Carragher à Sky Sports

– segundo informações veiculadas pelo Manchester Evening News

– segunda adianta o portal britânico Football Insiders

– a notícia é avançada pelo diário espanhol As

– de acordo com o The Sun

– o Mundo Deportivo avança

– de  acordo com o portal Sport Bible

– citado pela BBC

– de acordo com o diário Sports

– o Sports refere que

– de acordo com o Globo Esporte

– segundo a Catalunya Radio

– segundo conta a Sky Sports

– de acordo com o que conta o jornalista Fabrizio Romano

(aqui acrescento que não percebo porquê e quando surgiu esta figura meio sinistra que se auto intitula especialista em transferências de jogadores)

Confesso: fico estupefacto! Desde quando jornais e jornalistas são fontes de informação? Desde quando um jornalista se senta à secretária a roubar (não encontro palavra melhor) as notícias dadas por companheiros de profissão? Antes de vir para a Arábia estive em Barcelona com o Deco. Somos amigos há mais de vinte anos, fui assessor de imprensa na selecção nacional (e, sublinho, entreguei a minha carteira de jornalista enquanto cumpri essa função e fiz, como manda a deontologia, dois anos de nojo depois da minha saída dessas funções, dois anos durante os quais não escrevi sobre a selecção), conversámos bastante até porque não estávamos juntos há muito tempo. Fiz com ele uma entrevista que foi publicada na revista Luz do jornal Sol (oito páginas) para o qual trabalho. Uma entrevista frente a frente, cara a cara, não por telefone ou por mail.

Solicitou-me o Manuel Queiroz, presidente do CNID, que anda no jornalismo mais ou menos ao mesmo tempo do que eu, que escrevesse este texto. Não o entendam, pelo título, como algo de paternal, nem isso faz o meu estilo. Remete para uma obra universal de Reiner Maria Rilke: Carta a um Jovem Poeta. Carta essa dedicada a um soldado chamado Franz Xaver Kappus. Rilke aconselhava-o a prosseguir a vida com uma conduta norteada pelo rigor e pela integridade e por uma independência sem concessões. Se eu tivesse algo a dizer a um jovem jornalista, mesmo sabendo que não me ouve, diria como Rilke: «Não te deixes anular pela multidão; diz não sempre que sentires que é isso que te vai na alma; não deixes que te amarrem a uma secretária a copiar palavras alheias». O jornalismo é como o futebol de Drummond de Andrade: faz-se na rua; faz-se na alma. Começa dentro de nós mesmos como uma vontade incontrolável. E se fores atrás dela saberás que é par isso que foste feito. E, como dizia o Vítor Santos, emérito Chefe de Redacção de A Bola: «Pensa no leitor em primeiro lugar porque é ele que te dá de comer».

O Vítor Santos recebeu-me n’A Bola, por mão do meu querido Joaquim Rita, no final dos anos-80, com estas palavras: «Dizem-me que tens talento. As páginas de A Bola estão abertas para provar que as mereces». Nesta Carta ao Jovem Jornalista acredito que muitos não saberão sequer o que isto significa. Outros tempos – tempos dos mestres. Nessa fase da minha vida já tinha trabalhado com gente de nome enorme noutros jornais – Victor Cunha Rego, Eduardo Gageiro, Peixe Dias, Fernando Assis Pacheco. Como eu, o João Bonzinho, o Rui Dias, ligeiramente mais tarde o António Magalhães, subimos ao segundo andar do número 23 da Travessa da Queimada com as pernas a tremer de entusiasmo, convencidos de que seríamos a grande geração que substituiria a geração dos nomes inconfundíveis: Vítor Santos, Carlos Pinhão, Alfredo Farinha, Carlos Miranda, Aurélio Márcio, Homero Serpa, Cruz dos Santos, Álvaro Braga Júnior… Éramos jovens, tínhamos direito a sonhar. Só não tínhamos o direito de os envergonhar.

A primeira vez que sugeri ao Carlos Pinhão citar algo que tinha sido publicado num jornal estrangeiro, salvo erro La Gazzetta dello Sport, recebi a resposta merecida: «Mas tu queres ser um repórter ou um recórter? Pega no telefone e vai confirmar as fontes».

Já o Vítor Santos tinha uma frase mais direta de cada vez que caíamos na tentação do facilitismo: «Mas tu julgas que istoi é o PIM-PAM-PUM?»

  • A primeira vez que sugeri ao Carlos Pinhão citar algo que tinha sido publicado num jornal estrangeiro, salvo erro La Gazzetta dello Sport, recebi a resposta merecida: «Mas tu queres ser um repórter ou um recórter? Pega no telefone e vai confirmar as fontes».

Confesso que senti o meu trabalho vandalizado (falo ainda da entrevista feita ao Deco quando topei com descaramento de um dos nossos jornais, não importa qual, neste momento o cancro está generalizado como demonstrei logo de início, abriu uma página online dizendo: «Deco: Ruben Amorim joga com um estilo parecido com o Barcelona mas tem muito pouca experiência». Não! Não foi isso que o Deco disse. Ainda chocado, enviei para o CNID esta reclamação: «Infelizmente tornou-se hábito na imprensa portuguesa simplesmente roubar nacos de reportagens ou entrevistas feitas por outros jornalistas noutros jornais. Este é um bom exemplo da forma como se transformou uma frase banal de uma entrevista de oito páginas numa barulheira sem qualquer sentido. A entrevista foi feita por mim, tenho 40 anos de profissão, sei que títulos escolher e não foi por acaso que não escolhi este que, de momento, me está a dar problemas profissionais com pessoas que merecem todo o meu respeito e têm respeito por mim. Quem autorizou esta publicação??? Não eu! Não o jornal Sol! O jornal que me paga, aliás, já que não sou pago por aquilo que os outros fazem do meu trabalho.

  • Senti o meu trabalho vandalizado (falo ainda da entrevista feita ao Deco) quando topei com descaramento de um dos nossos jornais, não importa qual, neste momento o cancro está generalizado como demonstrei logo de início, abriu uma página online dizendo: «Deco: Ruben Amorim joga com um estilo parecido com o Barcelona mas tem muito pouca experiência». Não! Não foi isso que o Deco disse

A que propósito os jornalistas (???) se acham agora no direito de publicar matérias alheias sem sequer prestarem contas aos autores? Quem se responsabiliza agora por o assunto ter sido descontextualizado? Quem regula esta pouca vergonha que se tornou simplesmente o dia a dia de gente que não devia ter sequer direito à carteira profissional? Espero que esta reclamação não caia em saco roto. O caminho é perigoso e põe muitas pessoas em causa. Este caso está a criar problemas ao Deco, em Espanha, e a mim por via da relação que tenho com ele. Como explicar agora que a frase se fosse verdadeiramente importante no contexto teria sido, obviamente, usada por quem escreveu e editou a entrevista. Ou agora os outros decidem por nós o que deve ou não deve ser tornado o centro de uma entrevista?»

E assim chegamos ao momento em que, no aeroporto de Madrid, me deparo com o esbulhar puro e duro de tudo quanto é informação de outros, pura e simplesmente recortada à medida de, como diria o Pinhão, um bom recórter. É isso que queremos nos nossos jovens jornalistas? Que sejam recórteres? Que sejam ensinados a espoliar sem o mínimo de pudor o trabalho alheio, sem sequer terem o cuidado de procurar confirmar as fontes, solicitar a permissão das citações, respeitar minimamente a verdade das frases proferidas?

  • A que propósito os jornalistas (???) se acham agora no direito de publicar matérias alheias sem sequer prestarem contas aos autores? Quem se responsabiliza agora por o assunto ter sido descontextualizado? Quem regula esta pouca vergonha que se tornou simplesmente o dia a dia de gente que não devia ter sequer direito à carteira profissional?

Viajei para a Arábia Saudita. Como já referi, a entrevista com o Deco saiu na sexta-feira dia 9 de Fevereiro. Entretanto, porque achou que as suas palavras pudessem ser mal entendidas (tínhamos acabado de sair de Montjuic, Xavi afirmara que era preciso mudar muito no Barcelona e Klopp acabara de dizer que não continuaria no Liverpool), ele ligou-me para corrigir uma frase – uma única frase numa entrevista de oito páginas. A correção foi feita, mas já não a tempo de sair no papel, saindo no online com nota respetiva – e com a entrevista completa também no online já com a correção devida). Meia hora após o empate do Barcelona em casa com o Girona, um jornal catalão foi recuperar a versão original da entrevista, ignorou a nota de correção, e abriu uma guerra com a ideia de que Deco queria alterar toda a filosofia do Barça e o seu estilo de futebol. Choveram telefonemas em Riade. Três dias depois de o assunto ter sido revisto e reposto. Pelo que percebi, em Portugal ninguém se interessou. Estavam mais preocupados em dizer que o Deco não queria o Ruben Amorim do que na filosofia no tiki-taka, o que é natural mas absolutamente falso.

Vamos ser práticos: entrámos  num caminho perigoso. Muito perigoso. Estamos numa fase em que se distorce a realidade e vale mais uma caixa a três (como se dizia no meu tempo) do que uma entrevista de vida. Com sinceridade começo a questionar-me se vale a pena fazer uma grande reportagem ou uma grande entrevista se, no final, ficará apenas a boiar a porcaria de um registo mal copiado. Volto a um dos meus queridos mestres, Alfredo Farinha. Leiam-no com atenção: «Quando comecei a escrever em jornais, o meu propósito, a minha ambição, o meu sonho, era ser jornalista da Grande Imprensa. Ir à procura da vida no meio da vida, ir ao encontro dos acontecimentos onde eles acontecessem, conhecer os problemas dos homens, devassar o segredo das coisas desconhecidas, saber as razões dos êxitos e dos fracassos da grande sociedade, ouvir os políticos falarem de política, os economistas de economia, os artistas de arte, descrever os contrastes entre os dramas da fome e os esplendores da opulência, contar as histórias verídicas da paz e da guerra – e analisar, comentar, criticar tudo o que visse e ouvisse, com lealdade, com verdade, com o desejo de esclarecer e de ser útil». Nunca li, em qualquer outro lado, uma tão bela declaração de amor a uma profissão que merecia não ter sido abastardada, vilipendiada por dentro, suicidária. Façamos a pergunta a nós próprios e tentemos responder: estamos num universo de lealdade e de verdade?; somos capazes de esclarecer? Seremos úteis?» Sim. Termino com esta pergunta perturbadora: estamos verdadeiramente a esclarecer e a ser úteis? É que se não o formos mais vale desistir daquela que podia ser uma das mais bela profissões da Humanidade. Já não falo por mim, à beira da reforma, falo à alma dos jovens jornalistas e à consciência de quem os conduz. Que não lhes ensinem o caminho do precipício.

António Florêncio: Reações (3)

Camaradas da Direção do CNID, a que há quase 40 anos tive o orgulho de pertencer,
A morte do António Florêncio tocou-me muito e levou-me a recordar os muitos grandes jornalistas portugueses com quem tive a honra de aprender, como homem e como profissional da comunicação.
Comecei pelo Galvão Correia, tão injustamente esquecido (até enquanto estava no ativo), passei pelo Carlos Pinhão, pelo Vitor Santos, pelo Homero Serpa e por tantos outros que seria fastidioso listar aqui. E à lista teríamos ainda de juntar os repórteres fotográficos, como o Nuno Ferrari, o António Capela e o Carlos Vidigal, para dar apenas três exemplos, os jornalistas de televisão (os outros que me perdoem, mas tenho de falar do meu amigo Serafim Marques!) e da rádio.
Esse pensamento saudoso levou-me a pensar que o CNID poderia criar um Quem é Quem do Jornalismo Desportivo. Talvez primeiro online, mas sempre com o sonho de chegar ao prelo.
Não é difícil e seria certamente uma forma de não permitir que pessoas que, de forma quase anónima, tanto contribuíram para o Desporto e para a Cultura (sim, para a cultura) caiam no esquecimento.
Há apenas pouco meses falava com um jovem jornalista desportivo (não direi quem nem de onde) e disse-lhe que um dos meus grandes modelos tinha sido o Carlos Pinhão. Os olhos dele viraram-se para o interior do crânio, talvez em busca de uma qualquer referência, antes de responder “Nunca ouvi falar…”.
Podemos permitir que isto aconteça?
Abraços fortes para todos

Frederico Valarinho, antigo sócio do CNID