“Comunicação é uma palavra de sucesso nas sociedades contemporâneas” apresenta assim a editorial Minerva Coimbra a respectiva colecção “Comunicação” no interessantíssimo trabalho que publicou sob o título “A Europa e Portugal na Imprensa Desportiva (1893-1945) da autoria de Francisco Pinheiro, docente universitário, investigador no CEIS20 da Universidade de Coimbra.
Talvez por isso, sublinha-se que “seduzidos pelas profissões e ofícios da Comunicação”, muitos jovens procuram entrada nos cursos “com maior prestígio na área”.
Na longa tarde de uma terça-feira outonal (15.11.2012), o amplo auditório da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCSL) foi preenchido por estudantes desta área de formação académica, muitos deles futuros jornalistas. E viam-se também docentes alguns dos quais se empenharam na logística desta iniciativa como foram os casos de Anabela Lopes, Maria José Marta, Carla Medeiros, André Sendim e Marcos Melo.
Alguns dos velhos profissionais assistentes na plateia, ou incumbidos de comunicar ou de moderar, no palco, no âmbito do Encontro “A Ética no Jornalismo Desportivo” recordaram, então, na cavaqueira a luta havida durante o anterior regime para a institucionalização académica do estudo do Jornalismo, em particular. Muitos deles, aliás, formados na prática diária das Redacções com projecção para o trabalho duro mas nobre da reportagem; apoiados na experiência de vidas inteiras dedicadas à arte e ofício e estimulados pelo saber profissional, ético e deontológico, dos mais antigos.
“NÃO É ABSTRACTA E ESTÁ DENTRO DE NÓS”
Não foi por acaso, aliás, que Vítor Serpa, director do jornal “A Bola” e Director-Geral de “A Bola TV” comentador do primeiro painel “Desafios da ética no jornalismo desportivo” reconheceu que os jornais “têm perdido idade, memória e experiência” exactamente porque deixou de haver gente para passar aos mais jovens as mensagens da história institucional e da experiência profissional e “na vertigem informativa dos tempos de hoje falta tempo”.
Vítor Serpa aproveitou então para seguir um postulado do psicólogo Sidónio Serpa, docente universitário e colaborador semanal em “A Bola”, e considerou que a ética não sendo “uma coisa “abstracta” admite a existência de “outras éticas”, como por exemplo a “ética da sobrevivência”.
Olhando para sociedade de hoje, em tempo de crise generalizada, Vítor Serpa, preocupado, alertou para as crescentes dificuldades sentidas pela Comunicação Social portuguesa, a vários níveis.
Ajustando-se neste quadro reflexivo foi curioso, noutro momento, o sentir de António Florêncio:”A ética está dentro de cada um de nós”. E, dando corpo à ideia,” A ética não se aprende!”
TRIO SINGULAR: CÂNDIDO, ARISTIDES E SIMAS
De boa conversa formativa e informativa se fez este encontro. De boas memórias também. Exemplos de gente solidária e fraterna, homens de espírito livre dedicados à causa da Liberdade e, sendo assim, foi gente com ética, com princípios, respeitando as regras e defendendo os valores.
Dos três, justamente referenciados, apenas Cândido de Oliveira e Mário Simas estiveram ligados ao Desporto. E apenas Cândido ligado ao jornalismo: foi fundador de “A Bola” (com Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo), apaixonado pelo futebol, treinador e seleccionador nacional. Simas foi um nadador muito competitivo, olímpico em Londres e recordista ibérico, dos melhores da Natação portuguesa, mas sempre leal e defensor do “fair-play”. Ganhar sim, mas nunca a qualquer preço. E ele demonstrou-o nas piscinas por onde passou. Como professor universitário, ou na sua vida privada, manteve essa “consciência universal” ou “o saber distinguir o bem e o mal”, uma “consciência ética”,como sublinhou Sidónio Serpa, que conduz ao naturalmente ao”equilíbrio” com os seus pares.
Esse saber distinguir concreto, essa consciência quase sublime foram comportamentos bem evidenciados por Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, durante a segunda guerra mundial, Ele ultrapassou uma lei do regime salazarista que o impedia de passar salvo-condutos a cidadãos judeus em fuga da perseguição nazi e salvou milhares de vidas.
A jornalista e documentalista Miriam Assor intitulou o livro que dedicou ao diplomata português com uma referência ética precisa: “Um justo contra a corrente”.
Pois… há várias éticas e este episódio permite concluir, como o fez Sidónio Serpa que a ética pode ser entendida como a “regulação dos princípios em que assentam os valores sociais e que nos obrigam a escolher entre o bem e o mal, entre o sim e o não”.
Aristides de Sousa Mendes, uma das grandes personalidades do século XX português,”escolheu-o bem” e foi muito mal tratado por isso: Quando regressa a Lisboa, em finais de Julho de 1940 o Estado Novo instaura-lhe um processo disciplinar, expulsa-o do corpo diplomático, proíbe-o de exercer a advocacia, para a qual estava habilitado, e deixa-o sem qualquer sustento pecuniário. Fica viúvo em 1948,dois anos depois a sua casa do Passal é vendida em hasta pública, enquanto assiste à saída de seus filhos para a emigração. Faleceu a 3 de Abril de 1954 no Hospital da Ordem Terceira, após grave doença, e falido. A Imprensa portuguesa silenciou, então, a sua morte.
De Cândido de Oliveira diz o investigador Francisco Pinheiro ter sido “um dos maiores pensadores portugueses do século XX” mas, acrescenta “mas não lhe é reconhecido esse estatuto”.E porquê? Bom, Pinheiro constata que “infelizmente a Academia não parece, ainda, aberta a aceitar o Desporto nas investigações sobre a história do País”.
O fundador de “A Bola” e antigo seleccionador nacional de futebol, também homem de Cultura, foi perseguido, preso e desterrado para o degredo do Tarrafal (Cabo Verde) pela polícia política do envelhecido Estado Novo.
E como à baila vieram as “várias éticas” também surgiram as “várias verdades”, desportivas ou não. O jornalista Carlos Andrade, docente na ESCSL, moderador do painel em que o último tema foi abordado salientou, a propósito, que haverá sempre “o modo como se olha” e o “modo como se constrói a narrativa”.
“MOVE-TE POR VALORES” NO ANTIGO ISEF
ENCONTRO: Desporto com ÉticaA ética no jornalismo desportivo e a verdade desportiva no jornalismo foram temas que se cruzaram em exposições de excelência e debate de qualidade, numa iniciativa oportuna e cuja apresentação pública de conclusões contará com um espaço denominado por “Move-te por valores”, a 19 de Dezembro, na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa (antigos INEF e ISEF).
Registemos, entretanto, que esta foi uma parceria de sucesso: Plano Nacional da Ética no Desporto (PNED), coordenado pelo Dr. José Carlos Lima (IPDJ- SEDJ), Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, presidida pelo Prof. Dr. Jorge Veríssimo e CNID – Associação dos Jornalistas de Desporto.
Participaram também Augusto Baganha, Presidente do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) “o Desporto só se manterá se forem preservados os valores do fair-play” declarou logo na abertura deste Encontro; José Manuel Rosendo, jornalista da Antena 1; António Magalhães, Director Adjunto do “Record”. O jornalista Óscar Mascarenhas, professor na ESCS, antigo Presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, foi o outro moderador. Na sessão de encerramento Luís Vicente Ferreira, Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa, considerou este encontro como “relevante” e regozijou-se com o “espírito colaborante” entre a Escola e a Sociedade, enquanto o Prof. Dr. Jorge Veríssimo, Presidente da entidade anfitriã, defendeu uma Academia “aberta ao exterior” e referiu que o CNID, PNED e a Comunicação Social portuguesa aderente na divulgação do encontro -debate estavam de “parabéns”.
CNID ESTÁ DISPONÌVEL PARA NOVAS ACÇÕES
António Florêncio, presidente da Direcção do CNID, ao agradecer a participação que honra a nossa associação numa iniciativa desta natureza salientou, aliás, que “o CNID pretende, no futuro, manter este tipo de intervenção pública” não descartando um regresso a breve trecho ao acolhedor ambiente do auditório da ESCSL.
Tanto mais que, como enfatizou o nosso presidente da Direcção,”o Jornalismo não atravessa uma boa fase em Portugal e tudo o que possa ajudar a classe é bom!”
A sessão terminou com a intervenção do Secretário de Estado do Desporto e Juventude, Alexandre Mestre. O governante da tutela do Desporto havia chegado à ESCSL directamente da Assembleia da República (A.R.),onde tinha sido ouvido pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em conjunto com a Comissão de Educação, Ciência e Cultura. E ouvido sobre que assunto? Sobre o tão falado Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), diploma que transitou do anterior Governo da República. E falou, muito em particular, sobre a respectiva constituição e sede física. No aspecto logístico sabe-se que o TAD será acolhido pelo COP (com independência e autonomia).
Mestre congratulou-se com a iniciativa porque, em seu entender, a temática da ética “é importante e transversal na sociedade” lembrando que o debate na A.R. sobre o TAD foi um exemplo da projecção ética de “diversos comportamentos”, porque – observou – “a Ética no Desporto reflecte-se na Sociedade”.
Alexandre Mestre louvou este tipo de iniciativas “deverão ser mais frequentes”, afirmou, e enalteceu a concretização de “parcerias” tal como a que sustentou a base da iniciativa que aqui reportamos.
Uma nota ainda para registar as presenças do Juiz Desembargador Sérgio Abrantes Mendes, provedor da Ética no Desporto, professor Rui Silva, docente do ensino secundário e antigo treinador de futebol e alguns dirigentes federativos, representantes do Movimento Associativo Desportivo.