“Buscava o golo mais que golo:só palavra/Abstracção.Ponto no espaço.Teorema./ Despido do supérfluo rematava/E então não era golo:era poema”
Só a poética de Manuel Alegre poderia sintetizar, com tanta beleza, as milhares de palavras, o turbilhão de sentimentos e o mar imenso de emoções que se misturavam ao nível planetário desde a madrugada de 5 Janeiro de 2014, após ser conhecido publicamente o falecimento de Eusébio da Silva Ferreira.
Assim foi: muito para além das correrias loucas com a bola dominada, pelo estádio do Mundo, dos chutos demolidores e/ou dos golos impossíveis o “Pantera Negra” foi um cidadão que viveu o futebol com uma paixão indescritível, a mesma paixão com que abraçou,depois, outros palcos da vida de todos os dias, após deixar de buscar no terreno de jogo os lances improváveis, com o seu entusiasmo contagiante. Amigo,solidário e humilde, sempre com aquela humildade espontânea dos homens simples, lutadores e campeões.
A fundação do CNID acabou por ficar historicamente ligada a Eusébio, ele que foi o “Magriço”- mor na participação de sucesso da equipa portuguesa no “Mundial” de futebol Inglaterra -1966. E selada com um honroso 3º lugar, com Eusébio como o melhor marcador da competição, nove golos no total. Era então um tempo difícil para os portugueses e Eusébio com a sua generosidade, a sua entrega ao colectivo, e a genialidade da sua atitude em campo, foi projectado como que a “luzinha” que a ditadura sempre negou até chegar Abril 1974.
As reuniões foram paradas na crise académica de 1962
O ex-presidente da República Jorge Sampaio,sportinguista confesso, deixou um registo curioso,aliás, no livro “Obrigado Eusébio”, da autoria de João Malheiro, que aqui transcrevemos: “Das cinco finais consecutivas que o Benfica alcançou nos anos sessenta, há uma que recordo com particular emoção. Estávamos nós em plena crise académica de 1962, quando o Benfica,em Amesterdão, perante um Real Madrid até aí imbatível conseguiu trazer a Taça dos Campeões para Lisboa. O Eusébio marcou dois dos cinco golos com que a equipa encarnada ganhou a final.” E Sampaio conclui: “Só o Benfica de Eusébio nos poderia ter levado a parar todas as reuniões conspirativas, para durante noventa minutos num convívio de centenas de estudantes assistir àquilo que achávamos vinha reforçar a nossa causa”.
Mas retomando a ligação do CNID a Eusébio da Silva Ferreira socorremo-nos da “memória” que nos foi legada pelo primeiro presidente da Direcção da nossa associação, Fernando Soromenho, segundo o qual a constituição do CNID avançou pelo incentivo e a camaradagem dos jornalistas Félix Lévitan (francês) e Ramon Mélcon (espanhol), ambos dirigentes nessa data da AIPS,aquando dos Jogos Olímpicos 1974. Primeiro “impulso” em Tóquio e, segunda motivação, no ano seguinte, em Budapeste, por ocasião de um Gyor-SLBenfica para a Taça dos Campeões Europeus de futebol. Em Maio de 1966, ano do “Mundial” de Inglaterra, Soromenho após reunir as “tropas” na Casa de Imprensa, em Lisboa, é eleito para presidir à Comissão Delegada dos jornalistas da área do Desporto, e depois lidera a Comissão Organizadora, ficando incumbido de elaborar os estatutos do CNID que após aprovação em Lisboa,seriam apresentados no Congresso de Helsínquia da AIPS, Junho de 1966. Rezam as crónicas que a entrada do CNID na AIPS foi alvo de uma grande manifestação de apreço pelos jornalistas estrangeiros,presentes nesse Congresso da Associação Internacional dos Jornalistas Desportivos.
Os jornalistas portugueses do sector tinham,finalmente, um interlocutor válido,por eles escolhido, para a defesa dos seus interesses profissionais,específicos, e aceite nas instâncias e eventos internacionais. Como referia Soromenho, a propósito, “nós sempre dissemos que aquilo que queríamos era poder informar sem qualquer limitação”.
Por isso mesmo foi normal, depois, o processo de obtenção de livres-trânsito para o “Mundial” de futebol 1966,em Inglaterra, onde a representação jornalística portuguesa foi significativa. Entra Eusébio de seguida (e os seus valiosos companheiros de selecção), com o sucesso e a glória que se conhecem, e fica feita esta ligação histórica ao CNID.
Que Eusébio, o grande embaixador do Benfica,da FPF, do futebol português e de Portugal descanse em paz, porque a universalidade da sua imagem perdurará na memória colectiva até aos nossos vindouros. O seu nome, a sua vida, já tinham entrado no reino da mitologia há muito, muito tempo!
A sua esposa Flora, às filhas Sandra e Carla, restante família, antigos companheiros no Benfica e na selecção nacional, amigos de todos os clubes e dos vários quadrantes politico-partidários, aos dirigentes do SLB e da FPF, o CNID transmite os votos do mais profundo pesar.