Congresso da AIPS: o VAR veio para ficar (*)

Massimo Busacca apresentou resultados da utilização do vídeo-árbitro no “Mundial” da Rússia

 “No início, olhei para o vídeo-árbitro (VAR) com muitas reservas. Hoje, porém, penso que o VAR é indispensável ao futebol”, afirmou Massimo Busacca, diretor de Arbitragem da FIFA, durante o 82.º Congresso da Associação Internacional da Imprensa Desportiva (AIPS), realizado esta semana, em Lausanne (Suíça).

Numa conferência que prendeu a atenção da centena e meia de participantes no congresso, Massimo Busacca apresentou o balanço pormenorizado da utilização do VAR no recente “Mundial” da Rússia.

O ex-árbitro internacional e agora dirigente da FIFA começou por colocar uma pergunta: “Porquê o VAR no Campeonato do Mundo?”. A resposta foi detalhada:

– O futebol pediu para eliminar erros claros nas decisões dos árbitros, que podem mudar o resultado dos jogos;

– As equipas não querem perder por causa de erros claros dos árbitros;

– O futebol é um grande negócio; em cada jogo os árbitros têm uma enorme responsabilidade;

– Uma só decisão pode mudar a carreira de um árbitro; (“Um jogador passa ao lado do jogo, mas marca um golo decisivo aos 89 minutos: é a figura do jogo, é considerado um herói. O árbitro toma decisões acertadas durante 89 minutos, mas tem uma decisão errada que decide o vencedor, no último minuto: é completamente destruído”, comentou.)

– Uma só decisão pode mudar completamente um jogo.

E isto apesar de reconhecer que “os árbitros de topo não cometem muitos erros”.

IDEIAS-BASE DO RECURSO AO VAR

Num segundo momento, Massimo Busacca referiu as ideias-base subjacentes ao recurso ao VAR:

Os árbitros devem continuar a decidir primeiro;

– Os árbitros devem estar sempre no lugar certo no momento certo, já que quanto melhor estiverem preparados menos irão necessitar da ajuda da tecnologia. (“Obrigado, VAR, mas eu sou melhor do que você”, comentou, em linguagem coloquial.)

Num diapositivo intitulado “Princípios principais”, o diretor de Arbitragem da FIFA resumiu deste modo as regras que devem nortear a atuação do VAR:

– A filosofia: mínima interferência, máximo benefício;

– O objetivo: parar as manchetes e não re-arbitrar o jogo;

– A decisão só será alterada se o vídeo mostrar um erro claro ou um incidente grave ignorado;

– O árbitro é o árbitro principal. O árbitro, e não o VAR, tomará sempre a decisão final.

As decisões passíveis de revisão são as conhecidas: Golos; marcação de grandes-penalidades, situações puníveis com cartões vermelhos diretos; erros de identificação.

E salientou aquela que definiu como a “questão-chave”, que justifica o recurso ao VAR: a decisão do árbitro foi claramente errada?

BALANÇO DO VAR NO “RÚSSIA 2018”

Sobre o recurso ao VAR no “Mundial 2018”, Busacca apresentou o seguinte balanço:

64 jogos / 455 situações analisadas;

20 revisões do VAR (17 revisões no terreno, 3 revisões apenas pelo VAR): 17 decisões alteradas / 3 decisões confirmadas.

Ou seja: uma intervenção do VAR em cada 3,2 jogos.

Quanto ao acerto das decisões importantes (as que podem alterar o resultado de um jogo), referiu que, nas 455 situações analisadas, 95,61% foram corretas, sem intervenção do VAR. A percentagem subiu para 99,34% corretas, após a intervenção do VAR.

Nas situações de fora-de-jogo mais importantes verificaram-se 100% de acertos.

Massimo Busacca apresentou também alguns dados que ajudam a perceber melhor a importância do VAR, designadamente a nível da marcação de grandes-penalidades e do tempo útil de jogo.

Grandes-penalidades (comparação)

                                            Total                VAR

Rússia 2018                           29                      9 

Brasil 2014                             13                      /

África do Sul 2010                15                      /

QUANTO TEMPO DEMORA O VAR?

Massimo Busacca afirmou que, em média, o tempo perdido pela revisão do VAR é de 1m 22s. As revisões no terreno de jogo demoram, em média, 1m 26s: As revisões de lances feitas exclusivamente pelo VAR têm a duração média de 55,6 segundos.

(Nota: O “tempo das revisões do VAR” foi calculado desde o momento em que o árbitro suspende o reinício do jogo até ao momento em que assume uma decisão.)

No entanto, em termos de tempo de jogado (média por jogo), jogou-se mais no “Mundial” da Rússia do que, quatro anos antes, no Brasil: Rússia 2018: 56m 55s / Brasil 2014: 55m 14s.

Quanto às sanções disciplinares, Busacca recordou que foram mostrados 223 cartões amarelos (média de 3,48 por jogo), dois cartões vermelhos diretos e outros tantos cartões vermelhos por acumulação de amarelos. “ Não foi mostrado qualquer cartão vermelho por jogo sujo ou conduta violenta”, salientou.

ANÁLISE DE CAMPEONATO EUROPEU

O dirigente da Arbitragem da FIFA, apresentou de seguida um “caso de estudo”, com resultados obtidos num campeonato europeu, que não identificou:

Comportamento dos jogadores com a utilização do VAR:

– 8,8% de redução de faltas cometidas;

– 14,7% de redução de cartões amarelos;

– 6,4% de redução de cartões vermelhos;

– 1 cartão vermelho por linguagem ofensiva (11 na temporada anterior);

– 19,3% de redução de protestos;

– 43% de redução de simulações.

Registou-se, no mesmo campeonato objecto de estudo, um aumento de 4,3% de marcação de grandes-penalidades.

UTILIZAÇÃO DO VAR PELO MUNDO

Neste momento, 25 organizadores de competições já implementaram o VAR e mais de 30 estão a começar a utilizar ou pensam fazê-lo em breve.

Participantes experientes:  Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil (CBF), China, CONMEBOL (Taça Libertadores da América), Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos da América, FIFA, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Polónia, Portugal, República Checa e Turquia.

Experiências limitadas: AFC (Ásia), Arábia Saudita, CAF (África), Emirados Árabes Unidos, Japão, México e Qatar.

A começar (ou a preverem começar):África do Sul, Argentina, Áustria, Bolívia, Brasil (campeonatos estaduais), Burkina Faso, Chile, Colômbia, CONCAF (América do Norte, Central e Caribe), Croácia, Dinamarca, Egipto, Equador, Eslováquia, Eslovénia, Grécia, Israel, Kuwait, Malásia, Marrocos, País de Gales, Paraguai, Peru, Roménia, Rússia, Suíça, Tailândia, UAFA (Médio Oriente e Norte de África), UEFA, Ucrânia e Uzbequistão.

O 82.º Congresso da AIPS decorreu em Lausanne entre 21 e 25 de janeiro. O próximo terá lugar, em Fevereiro de 2020, em Londres.

(*) Texto e fotos de Mário Martins (vice-presidente do CNID-AJD), delegado do CNID-AJD ao 82.º Congresso da AIPS.