O CNID recordou na passada quinta-feira a figura de Mário Moniz Pereira, que foi atleta, treinador, pedagogo, artista e compositor, e também jornalista, sendo mesmo sócio do CNID durante 48 anos, de 1968 até à sua morte, num colóquio organizado na Universidade Lusófona em Lisboa.
Leonor Moniz Pereira, filha, Carlos Lopes e Domingos Castro, antigos atletas, e Vítor Serpa, diretor do jornal A Bola, evocaram a figura do chamado “Senhor Atletismo” numa sessão que decorreu ao longo de duas horas no Auditório Agostinho da Silva na Lusófona, com moderação do jornalista e professor universitário Carlos Andrade e integrado na IX Semana de Comunicação, Arte e Tecnologia, que é já marca daquela escola de nível superior.
Santos Neves, presidente da Assembleia Geral do CNID, recordou o professor Moniz Pereira e salientou que o colóquio se enquadrava ainda no protocolo que o CNID assinou com a Câmara Municipal de Lisboa no quadro da Capital Europeia do Desporto 2021.
Com a ajuda do presidente da direção, Manuel Queiroz, entregou depois medalhas comemorativas dos 55 anos do CNID ao professor Luís Cláudio, responsável da Lusófona, e a cada um dos oradores. Vítor Serpa, sócio do CNID, recebeu um troféu Reconhecimento.
Mais de uma centena de pessoas acorreu ao auditório e foi Vítor Serpa a abrir as hostilidades, sublinhando como Moniz Pereira começou a escrever em A Bola logo em 1948, ou seja, três anos após a fundação do jornal. “E em 1952, poucos dias antes do início dos Jogos de Helsínquia, estava na primeira página porque era um dos vários especialistas que iria escrever” sobre as provas.
À pergunta se hoje ainda seria possível ter um colaborador como Moniz Pereira, que escrevia sobre as provas em que participavam os atletas que treinava, Vítor Serpa recorreu a uma perspetiva histórica: “Os treinadores e até atletas escreverem nos jornais foi pela perspetiva de ir buscar quem tinha conhecimentos e assim fomos crescendo juntos. Há um momento em que o profissionalismo, dos atletas e também dos jornalistas, nos anos 60 e 70, obrigou a uma separação das águas.”
Lembrou também o nascimento do CNID em 1966, motivado pela primeira qualificação de uma seleção portuguesa de futebol para o Mundial. altura em que os jornalistas desportivos não eram aceites no Sindicato dos Jornalistas – estavam no dos Tipógrafos – e por isso não tinham carteira profissional nem documento que os identificasse. Daí nascer o CNID para suprir essa falha e foi CLUBE (e não Associação) porque não havia liberdade de associação e este tipo de organização/denominação não era permitido. Assim se “inventou” um clube – o CNID.
A Professora Leonor Moniz Pereira recordou o primeiro escrito do pai, então na Associação dos Estudantes do INEF (Instituto Nacional de Educação Física), e falou da forma como usava as estatísticas, que na altura era um instrumento que pouco se usava no desporto, para perceber a evolução de atletas ou da modalidade.
Contou o episódio em que o pai, numa formação de jornalistas em que participou, através de primeiras páginas de A Bola demonstrou como as modalidades – e nomeadamente o atletismo – foram desaparecendo do frontispício do jornal. E de como isso era penalizador até para a cultura desportiva do povo português.
Vítor Serpa recordou, a certa altura, que muita gente achava que Moniz Pereira era anti-futebol. “Ora, não só chegou a ser preparador físico de uma equipa de futebol do Sporting, como ele próprio dizia: ‘Não sou nada contra o futebol, só sou contra o futebol que é inimigo de tudo o resto’”.
As palavras dos dois antigos atletas presentes foram comovedoras. “Para mim foi muito mais do que um treinador”, disse Carlos Lopes, recordando a disciplina que impunha e que o levou à Medalha de Ouro olímpica na maratona em Los Angeles. “Se chegava atrasado um minuto, ele dizia: já perdeste uma volta à pista…”.
Desmentiu que houvesse no balneário um letreiro que dissesse “há treinos todos os dias, faça sol, chuva ou neve – em caso de terramoto a decisão será tomada na hora”. Não havia um quadro com esses dizeres, “mas era esse o espírito, indiscutivelmente. Ele dizia que se houvesse um terramoto se podia treinar na mesma e se se abrisse uma cratera treinava-se a descer e depois a subir”.
Domingos Castro comoveu todos os presentes, lembrando que “ele tratava de tudo o que tinha a ver com dinheiro, até dos ‘cachets’ nas provas internacionais e dizia sempre: ‘Tenham cuidado com o dia de amanhã’. Isso ficou-me e a minha grande medalha, a maior de todas, foi ter podido dar uma casa aos meus pais. Na minha infância éramos cinco rapazes e dormíamos todos na mesma cama, e as três meninas dormiam na cozinha. Ao prof. Moniz Pereira o devo, em grande parte. Ele viu-me numa corrida em Vigo e perguntou-me se queria ir para o Sporting. Claro que eu queria, mas disse-lhe que eu tinha que ganhar dinheiro para a família e ganhava 17 contos por mês. Saiu-me 17, porque na verdade só ganhava 15… E ele disse-me: então vais para o Sporting, que paga esses 17 contos e tu ficas a viver no Lar do Sporting. E assim foi, vivi lá com o Figo e tantos outros e tudo o que ganhava entregava aos meus pais. Tudo.”.
Carlos Lopes lembrou que Moniz Pereira tinha um método, sobretudo de repetição do esforço, mas que além disso sabia sempre muito bem quem eram os grandes adversários e que marcas era preciso fazer para se ganhar. “Estava à frente do seu tempo”, disse, enquanto Leonor Moniz Pereira falava dos famosos caderninhos em que o pai escrevia todas as marcas dos seus atletas. Num deles, lembrou Vítor Serpa, chegaram a estar marcas de jogos enquanto criança. “Ele inventava provas. Como no quintal de casa o espaço não era muito, inventou o duplo salto, porque não dava para triplo. E tinha esses resultados, dele e dos meninos vizinhos, também apontados. Era impressionante”.
O diretor de A Bola relembrou ainda a amizade de Moniz Pereira com ‘Gigi’, um vizinho do prédio que não tinha nenhum jeito para desporto, mas que veio a ser primeiro-ministro e cujo nome de batismo era Mário Soares.