Não é o que se diz, é como se diz. Ou como se conta o desporto no feminino

Nadia Bonjour, ao centro, entre alguns dos jornalistas que estiveram a ouvi-la no COP e no quadro da preparação para os Jogos de Paris

Nadia Bonjour é consultora de Comunicação especializada em representação de género e desporto, e esteve no Comité Olímpico de Portugal a passar uma ensagem: “Não é o que se diz, é como se diz”. Ou seja, é preciso ter cuidado com a representação do feminino no desporto.

“Uma das coisas importantes em como se descreve  é ser neutro em relação ao género”, disse no encontro com jornalistas e dirigentes na sede do Comité Olímpico, em Lisboa, numa sessão que também procurou servi0r de preparação a quem vai aos Jogos Olímpicos de Paris, no Verão próximo. A sua apresentação tinha como título “Reframing gender in Sport”, que se pode traduzir como “Reescrever o género no Desporto”.

Em Tóquio, 48% dos atletas eram do género feminino, em Paris espera-se que sejam mesmo metade Portuguesas eram 39%. Quanto aos media portugueses, só 9,5% eram mulheres. Nadia Bonjour diz que na Suécia há bons exemplos de cobertura jornalística alargada sobre desporto no feminino, mas não há números em relação a Portugal sobre a quantidade de notícias que  os media dão em relação ao desporto masculino.

“As palavras moldam o mundo”, diz a consultorae portanto “as palavras contam” e põe o tom no género. E citou do Financial Times. “Ela não é uma boa mulher cavaleira, é uma boa cavaleira. Ponto”. E por isso “é tempo de mudar o ângulo”. Ninguém pergunta ao rafael Nadal como é ser pai de gémeos, mas é fácil perguntar a uma mulher como foi ser mãe, ou então porque está vestida assim.

“Sou meio inglesa, com raízes perto de Manchester, estudei na Inglaterra e rapidamente me disseram que tinha que neutralizar o meu sotaque. Hoje a BBC procura ter gente de todos os lados de Inglaterra, ter mais diversidade de sotaques e de maneiras de falar de forma a ser mais inclusiva”. As palavras contas, o sotaque também.

Optar por imagens respeitadoras, neutras no género. “Não é não dizer mal de alguma mulher que tenha jogado mal, ou que não tenha estado á altura num dado momento desportivo – não, pelo contrário, encoraja-se que haja essa igualdade. Ter cuidado”.

Dá algumas ideias para se treinar – e é preciso treino. Criar conhecimento, por exemplo, procurando saber o que dizem do que escreveste, através dos comentários; procurar novas lógicas, construindo um diretório de diversidade de ‘storytelling’. Ser criativo porque é importante.

Ricardo Espírito Santo, Realizador ‘Realizar também é jornalismo’

Ricardo Espírito Santo, Realizador, como Troféu CNID Excelência

O Realizador Ricardo Espírito Santo recebeu finalmente o Troféu CNID Excelência que lhe foi atribuído  em 2020 e que distinguiu uma profissão que o CNID – Associação dos Jornalistas de Desporto normalmente não premeia. 

O Realizador e diretor da Terra Líquida Filmes, produtora que fundou em 2008, continua a ter o bichinho de realizar futebol. ‘Pôr o futebol na televisão é uma coisa única. Porque é ali, no imediato, é o momento que dita tudo, Adoro fazer isso e continuo a achar que tenho jeito para fazer isso’.

Nascido a 13 de Agosto de 1960, em Espinho, Ricardo Espírito Santo foi controlador aéreo antes de optar pela realização na SIC, que começava, com Emídio Rangel à frente. Passou pelas televisões todas, realizou o Amo-te Teresa, o famoso telefilme da SIC, documentários, tudo. E muitos jogos de futebol. Era ele que estava ao leme a 25 de Janeiro de 2004, num Gumarães-Benfica, em que o húngaro Miklos Feher tombou inanimado e nunca mais se levantou. RES percebeu cedo que o caso era grave e os planos que deu aos espectadores foram à distância, não intrusivos, numa realização que foi elogiada por toda a gente. Pela sua humanidade, pela forma como respeitou um momento que se vive uma vez na vida. Porque a imagem estava com Feher no momento em que este se vergou, pôs as mãos nos joelhos e caiu. Disse, na altura, que tinha dado ordens para não haver imagens ao perto e que a concorrência não pode justificar tudo.

Em 2020 houve o chamado caso Eriksen, o dinamarquês que tombou inanimado durante o jogo do Campeonato da Europa frente à Finlândia e correu sérios riscos de vida. 

Vinte anos depois, RES recebe o nosso Óscar. O futebol hoje joga-se no campo e na televisão, daí a importância do realizador, que tem à sua disposição às vezes mais de 20 câmaras para dar todo o pormenor – e às vezes falham-se coisas importantes. A realização televisiva de um jogo faz parte da realidade do jogo, de como todos o percebemos hoje. Por isso se justifica que o Jornalismo olhe para a televisão e se envolva com os seus pormenores técnicos. Um ‘frame’, às vezes, é o suficiente para o VAR mudar um jogo. 

Ricardo Espírito Santo em breve mas significativo discurso direto:

‘Creio que a condição fundamental [para se ser realizador] é amar o futebol. Desde puto que gosto de bola e, creio, esse conhecimento técnico do jogo reverteu em meu favor quando me tornei realizador.

‘Ser dotado de sangue-frio, a pressão em Portugal é desmesurada e o trabalho desenvolve-se a uma velocidade alucinante. Dominar 20 câmaras é de grande exigência profissional.

‘Em certo sentido, a realização de futebol é jornalismo. Isenção, ser fiel ao revelar o que se passa no relvado, nunca ceder a pressões (tive algumas), mostrar os factos e deixar as interpretações para os espectadores. E, a meu ver, assumir também um papel pedagógico, não pactuar com nenhum tipo de manipulação e/ou exploração de certas  imagens para cumprir desígnios obscuros.’