– Quero diálogo sem medo e troca democrática de ideias.

A equipa do FC Porto (com Pedroto) no ano em que as Antas foram oposição ao salazarismo
COMO A MULHER DO DITADOR ESPANHOL PÔS OS COMUNISTAS DE PORTUGAL A DEFENDER PORTISTAS
Através de campanha com «métodos americanizados» (tendo até cartazes em elétricos), Bonito ganhou a eleição. O governador civil recebeu em bufaria «alarme» de se estar no clube «perante direção totalmente reviralhista» – e, revelando-se que a Rádio Moscovo se regozijara com a escolha de Bonito, alertaram-se as «autoridades» para as «ligações entre o secretário da direção, Dr. Correia da Silva, e o Dr. Rui Gomes». (Isso descobriu-o o historiador Diogo Faria – o Rui Gomes a que se aludia era Ruy Luís Gomes, que com Virgínia Moura e Lobão Vital, eram rostos vincados da oposição a Salazar.)
Tendo Cesário de Moura Bonito nascido a 1 de agosto de 1909 no Peso da Régua, o pai estivera preso por o apanharem em conspirações contra a Ditadura – e, aos 16 anos tornou-se jogador do FC Porto. Durante estudos em Coimbra, jogou pela Académica – e, já cirurgião ilustre, a 20 de maio de 1945 escolheram-no para a presidência do FC Porto. Na segunda presidência (essa que se abriu, revolucionária, a 6 de fevereiro de 1955) foi ao Brasil buscar Dorival Yustrich, oferecendo-lhe 150 contos de luvas, 15 por mês – e 100 pelo título de campeão (quando, por cá, rapariga apanhada de biquíni arriscava multa de 5 contos).
Patrocinado pela mulher de Franco (o Salazar de Espanha), fez-se desafio entre seleções de Madrid e Lisboa. Nevoeiro impediu o regresso a Portugal na data previsto – e a FPF adiou o FC Porto-Sporting para 1 de janeiro de 1956, comunicando à Emissora Nacional que os portistas o aceitaram (e era falso). Cesário Bonito despachou telegrama a protestar a decisão – reputando-a de «arbitrária», «indigna» e «reveladora de um favoritismo». Como o Sporting tinha a presidente Góis Mota, um dos líderes da Legião (a guarda pretoriana do regime) lançou também, sibilino, o ataque pelo seu lado político – e A PIDE chegou a ir às Antas ameaçá-lo.
Na data que lhe impuseram, o FC Porto ganhou ao Sporting por 3-1 – e acabou mesmo campeão (e vencedor da Taça). Porém, antes de lá chegar, a FPF (presidida por Ângelo Ferrari, então ainda só tenente-coronel, indicado para o cargo pelo Benfica quando no cargo de presidente da FPF apenas poderiam estar elementos propostos pelo Benfica, pelo Sporting e pelo Belenenses, em tácito roulement) determinou a irradiação de Cesário Bonito (e a suspensão de três anos aos demais diretores).
Nenhum abandonou os cargos, em AG ouviu-se do presidente Bonito o brado:
– Viemos aqui para buscar o arame farpado para nos mantermos na barricada contra a prepotência.
O Partido Comunista fez circular comunicado clandestino com o título: «Só à massa associativa do FCP cabe eleger ou destituir os seus dirigentes» – exortando «o povo portuense» a enérgico protesto «contra as violências do governo salazarista e as arbitrariedades da Federação de Futebol» (também foi Diogo Faria que o descobriu – e o revelou na revista Dragões).
Correu rumor de que o embaixador americano escrevera, irónico, para Washington, dizendo que a guerra contra Salazar talvez começasse por causa de problema com clube de soccer, porque se falara de «levantamento popular» na cidade se Cesário Bonito levasse mesmo com irradiação. Com irradiação não levou porque, por entre o escarcéu e a contestação, Leite Pinto, o ministro da Educação, obrigou a FPF a comutar-lhe a pena – e assim ainda pôde Cesário Bonito regressar à presidência em 1965 (com Jorge Nunco Pinto da Costa como um dos seus diretores…)
COM UMA GRÁVIDA NO QUARTEL, MARCELLO CAETANO NAS MÃOS DO ANTIGO PRESIDENTE DA FPF
Cinco dias antes, Américo Tomás, o presidente da República, fora de visita ao Salão de Antiguidades na FIL e a um repórter de rádio afiançara, na ilusão de ter o país com a «situação» que «fora ovacionado pelo muito público que aí se encontrava» – e ao abrir-se da noite de 24 de abril de 1974 no Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, estava já montado, num pré-fabricado que servia de arrecadação do quartel com as janelas tapadas com cobertores, o centro de comando da Revolução, formado por Otelo Saraiva de Carvalho, Garcia dos Santos, Sanches Osório, Luís Macedo, Fisher Lopes Pires, Victor Crespo e Hugo dos Santos. Num cinema de Lisboa estreara-se A Golpada, filme que ganhara sete Óscares. Era comédia de vinganças e vigarices, crimes e armadilhas, com Robert Redford, Paul Newman, Robert Shaw. E Ted Smith, o treinador que levara o Benfica à vitória na Taça Latina, vivia numa roulotte no Parque de Campismo de Monsanto, por não ter dinheiro para pagar renda de uma casa…
Para que se consumasse o resguardo de Marcelo Caetano no Quartel do Carmo, a PIDE fora buscá-lo a casa, no bairro de Alvalade – e no escritório deixou livro aberto sobre o comunismo que estava a ler. Lá, no Carmo, entre os seus altos militares, viviam as suas famílias, havia, pois, mulheres e crianças – e, nessa madrugada, até a filha de um general em fase de gravidez terminal por lá andava.
Ao princípio da tarde de 25 já se percebera o caminho que a revolução levava. Às 14.05, da Pontinha, Otelo chamou ao telefone o coronel Ângelo Ferrari e exigiu-lhe a rendição. Na esperança de ganhar tempo, Ferrari desmentiu-lhe a presença do Presidente do Conselho no Carmo. Otelo sabia que estava – e, meia hora depois, contactou, via-rádio, Salgueiro Maia ordenando-lhe que abatesse os portões por encosto de blindado ou à rajada de metralhadora. Às 15.30, ouviu-se fogo e soltaram-se gritos e correrias pelo quartel. Às 16.05, para que o «poder não caísse na rua», Marcelo Caetano ditou a Coutinho Lanhoso, seu Adjunto Militar, a mensagem que marcava o fim da era: «O senhor Presidente do Conselho está pronto a entregar o Governo ao General António de Spínola, e espera-o, para tal fim».
Antes, Marcello Caetano praguejara com o Ângelo Ferrari, haveria, depois, de acusá-lo, truculento, de incapacidade para reagir ao golpe e desfazer o cerco:
– Telefonava para todos os Batalhões a assegurar-se de que estavam prontos e às ordens, dizia-me que as respostas eram afirmativas, olhava para mim com ar triunfante, mas não movimentava as tropas, não fazia nada. Uma personagem ridícula, apalhaçada, o coronel Ferrari!»
Sem que tal Ferrari que fora presidente da FPF o defendesse do destino que o ameaçava, um dos EBR Panhard de Salgueiro Maia forçou o portão do quartel e entre os seus tripulantes estava António Gonçalves que após a revolução deixaria a tropa, vindo a ser depois director da Associação Desportiva da Camacha, vice-presidente da Associação de Futebol da Madeira. O capitão Salgueiro Maia entrou no Carmo e caiu a trindade na antecâmara do salão:
– Os ministros Moreira Baptista e Rui Patrício choravam como duas crianças, o professor Caetano era o único homem com alguma dignidade lá dentro. Estava pálido, barba por fazer, gravata a três quartos. Para o desarmar, entrei, fiz continência, batendo com os tacões, e disse-lhe: «Apresenta-se o comandante das forças sitiadas, que vêem exigir a rendição incondicional». Deixei-me estar, ele afirmou: «Já sei que não sou governo. Só espero que me tratem com a dignidade com que sempre vivi. Eu respondi-lhe logo: «Isso lhe garanto eu, Excelência».
À sua chegada para tomar de Marcello o poder, António de Spínola atirou-lhe:
– Se Vexa. me tem escutado, tudo isto se teria evitado. Veja o estado em que me entrega o país. Mas o senhor não quis ouvir-me…
e de Caetano desprendeu-se, arrastado, o sussurro:
– O momento não é para recriminações, senhor general, só quero saber quais são os seus projetos a meu respeito.

Spínola a deixar o quartel do Carmo com a democracia nas suas mãos
PARA PRESIDENTE O CAMPEÃO DE HIPISMO A QUEM JÁ SE TINHAM CONTADO 23 FRATURAS POR QUEDA DE CAVALO
No blindado que se encostara à porta de armas, levaram Marcello Caetano mais Moreira Baptista e Rui Patrício, dois ministros que por lá o acompanhavam. Do almirante Henrique Tenreiro, um dos rostos mais radicais do regime (tal como Francisco Cazal-Ribeiro) e umas das principais figuras do Belenenses (e presidente da Federação Portuguesa de Vela) se diria ter escapado do Carmo… disfarçado de «ceguinho», fintando o povo em delírio e euforia. Spínola saiu no automóvel de Vieira da Rocha atrás do Bula, com o povo a vitoriá-lo – e, sem se desfazer o seu típico monóculo, horas depois já o general falou ao país como presidente da Junta de Salvação.
Nos anos 40 e 50, António de Spínola fora estrela no hipismo. Uma queda partiu-lhe uma perna e três costelas, o pai tentou afastá-lo do desporto, não lhe deu ouvidos e continuou a vencer alguns dos principais grandes prémios que por Portugal se faziam. No final da carreira, haveria de dizer que se formara em «colibacilo e fracturas de ossos» e Carlos de Morais, um dos seus amigos, para brincar com ele, contabilizou-lhe as fracturas que sofrera: 23 por queda de cavalo, duas em acidentes de automóvel.
Na madrugada de 26 de abril, em avião da Força Aérea, Marcello Caetano foi despachado para o Funchal com Américo Tomás (o Presidente da República que fora presidente do Belenenses no ano em que o clube arrancara para a conquista do Campeonato Nacional da I Divisão) e lá ficaram em prisão domiciliária até partirem ambos para o exílio no Brasil. No Rio de Janeiro, Caetano confidenciaria que se, em vez de Spínola, entrasse tropa em rebuliço no quartel para o prender, se teria suicidado…