Militantes dos partidos de esquerda e militares do COPCON levantaram barricadas a pretexto de «prenderem armas» – mas, na verdade, o que queriam era impedir a entrada de «silenciosos» em Lisboa. Igualmente convocado a Belém, Otelo Saraiva de Carvalho (o comandante do COPCON) reiterou a tenção de não «desbarricar» ruas e estradas (como Spínola lhe exigira) – e não lhe permitiram a saída do palácio. Sabendo-o, às 5 da manhã Vasco Lourenço lançou ultimato: «Ou Otelo é solto ou militares atacam Belém!» – e, quando Otelo de lá saiu era já 28 de setembro e, nas bancas, não havia jornais porque Sanches Osório. o Ministro da Comunicação Social de Vasco Gonçalves (que era opositor de Vasco Gonçalves…) proibira a sua circulação numa nota largada pela madrugada.
Por isso ninguém leu reportagem que A BOLA fizera revelando que a pretexto de se ver o V. Guimarães em Alvalade se tinham requisitaram 51 autocarros pela Minho – e os autocarros eram, afinal, para transportar «silenciosos» para a «manif a favor de Spínola». Como os motoristas acataram a indicação do seu Sindicato de recusa de tarefa, viera de Guimarães apenas um: o que arrancou só depois de se confirmar que, no seu seio, se encontravam apenas jogadores, técnicos e dirigentes «devidamente acreditados», Vieram e bateram o Sporting por 3-2…
CAVALO DE TRÓIA DE TONI SEM ARTUR JORGE
Suspeitando que o futebol se transformasse em «cavalo de Troia na cidade», jogara ao ataque o Sindicato dos Jogadores. Face à «ausência de Artur Jorge, o seu presidente», fora António José da Conceição Oliveira (o Toni do Benfica) quem assinara comunicado que revelava que estando a «organizar-se excursões em diversos pontos do país tendo como destino Lisboa, onde a pretexto da presença no Belenenses-FC Porto e no Sporting-V. Guimarães, se integrariam na chamada manifestação da maioria silenciosa» se deviam impedir tais partidas – e não a FPF não as impediu…
A justificação (do SJPF) era que a «minoria tenebrosa» (assim mesmo como no cartaz do MDP-CDE com a suástica ao peito de Spínola) pretendia «criar situações de confronto com as forças democráticas, o MFA e o Governo Provisório (de Vasco Gonçalves) – fechando-se o seu comunicado em tom ainda mais panfletário: «Reforcemos a aliança dos trabalhadores com as forças verdadeiramente populares, reforcemos a Aliança do Povo com o Movimento das Forças Armadas, neutralizemos as manobras da reação.»
DEPOIS DO HIPISMO, FRAQUE E GRANADA
A 5 de maio de 1974, alguém entrara à sorrelfa no Estádio que se chamava Almirante Américo Tomás e, pintando de branco letras que diziam: Almirante Américo Tomás, escreveu Liberdade no seu lugar. Não, a direção do Belenenses não deixara que ficasse assim: Estádio da Liberdade, ficou Estádio do Restelo – e de lá saiu o FC Porto com empate a dois.
Horas antes, na manhã de 28 de setembro, António de Spínola mandou que se desconvocasse (e calasse…) a manifestação da Maioria Silenciosa – e foi ao hipismo. Chegou ao Campo Grande num Mercedes preto – e Galvão de Melo escoltou-o a cavalo, equipado a preceito para o concurso de saltos, era um dos seus concorrentes. À sua ilharga, levava Francisco Costa Gomes, o vice-presidente, e Sanches Osório, o ministro da Comunicação Social. Combinaram reencontrarem-se no jantar de de encerramento do GP de Lisboa, no Sheraton, mas Spínola, Costa Gomes e Sanches Osório não foram. Galvão de Melo sim, foi – e de súbito telefonaram-lhe do COPCON: «Avisando-me de que deveria sair pelas traseiras, pois haveria uma manifestação contra mim. Disse-lhes, simplesmente, que um general saía sempre pela porta principal».
Galvão de Melo abandonou o hotel de fraque e de roldão o puxaram-no para dentro de um chaimite. Que era para o livrar da «ira popular», juraram-lhe: «Trazia uma granada na faixa e, aquando da minha saída, tirei a cavilha e coloquei-a na mão, pronta a lançar. Apareceu, então, um oficial da Polícia Militar, o major Campos de Andrada, em quem não confiava. Exigi que me levassem para os Comandos. Foi o que fizeram…»
Havendo quem achasse que ia preso, acusado de lhe terem descoberto 60 mil armas em casa – e Galvão de Melo brincou com o rumor e o seu futuro: «Arranjem-mas, essas armas todas, que a gente faz outra revolução já. Se as tivesse, invadiria a Espanha, garanto-vos Ah! E posso dizer-vos: estou quase um desempregado, despedido do MFA. Portanto, vou descansar, andar mais a cavalo…»
Sem que Artur Jorge lá chegasse pelo MDP/CDE, Carlos Galvão de Melo acabaria eleito deputado pelo CDS à Assembleia Constituinte – e, com o PREC a arder, Américo Duarte, o deputado operário da UDP, alvoroçaria o parlamento em remoques e insultos a eito: «O assassino Spínola até já dá entrevistas à BBC a dizer que lutará pela libertação de um povo… Esse colonial-fascista fez até ameaças veladas de guerra civil em Portugal, a exemplo, também, do sr. Galvão de Melo por cá…»
Galvão de Melo que a Junta de Salvação Nacional encarregara de acompanhar a Comissão de Extinção da PIDE/DGS enviaria à mesa requerimento a pedir que se desfizesse «grave dúvida» que cada vez mais tinha: foi ou não o Sr. Américo Duarte informador da PIDE/DGS? E, por entre gargalhadas e burburinhos, Duarte abandonaria, irado, o hemiciclo, gritando para o assento de Galvão de Melo:
«Hás-de ir parar ao Campo Pequeno!» Era, dizia-se, para onde Otelo queria levar, para os fuzilar, os «fascistas» – quando no seus burburinho «fascistas» eram todos os que não se tinham deixado levar pela ilusão do «poder popular» que se erguera na queda de António de Spínola.
AS 23 FRATURAS DE SPÍNOLA A CAVALO
Após a instauração da Ditadura Militar, António Oliveira Salazar (ainda só Ministro das Finanças) levara o pai de António Sebastião Ribeiro de Spínola (que só não era Ribeiro, era António Sebastião de Spínola) para seu chefe de gabinete e, algures por 1953, apanhara-lhe o sussurro: «Embora aparentemente bem, o meu António ainda se encontra diminuído, a ponto de os médicos me aconselharem a convencê-lo a evitar, por mais largo tempo, a equitação mas tal é impossível, os saltos a cavalo são loucura que não o deixa, senhor professor».
Semanas antes, queda em mais uma das suas competições causara-lhe dupla fratura de uma perna, partira-lhe três costelas – e poucos meses depois abriu-se o ano de ouro (em 1954): ganhou a Taça de Honra das Pedras Salgadas, o Grande Prémio e a Taça de Honra das Caldas da Rainha, a Taça de Honra de Cascais e de Elvas e, na temporada seguinte, António de Spínola alargou os seus brilharetes a Madrid e a Barcelona.
Mal estoirou a guerra colonial (em 1961), António de Spínola ofereceu-se como voluntário para Angola, logo se notabilizando no comando do Batalhão de Cavalaria nº 345. Para África se precipitou com os traços que deram toque mitológico ao seu retrato: monóculo de vidro no olho direito, luvas nas mãos e pingalim na mão. Impressionados com o seu vigor, ficavam os subordinados – sobretudo na vez em que o viram pelas matas, ao longo de vários dias, numa marcha de 365 quilómetros. Ou em que, tendo de passar-se a vau um rio, recusou que soldados o levassem às costas.
Nomeado governador da Guiné em maio de 68 – no regresso à Metrópole (em novembro de 73), Marcelo Caetano ofereceu-lhe o cargo de Ministro da Defesa que retirara a Horácio de Sá Viana Rebelo (que, como seu presidente, levara o Sporting à conquista da Taça das Taças) – e, já general, António de Spínola recusou-o «por não aceitar a intransigência governamental face às colónias». Dizendo amiúde que o hipismo o formara em «colibacilo e fraturas de ossos», Carlos de Morais, um dos seus amigos, para brincar com ele, contabilizou-lhe as fraturas que sofrera: «23 por queda de cavalo, duas em acidentes de automóvel»).
DISFARÇADO DE BARBAS POSTIÇAS, O GOLPE
Recebendo o poder de Marcello Caetano na queda do quartel do Carmo, tomara posse como Presidente da República a 15 de maio de 1974, no Palácio de Queluz – e falhando o braço de ferro no que queria que fosse a «manifestação da maioria silenciosa» e impedido de colocar Portugal em «estado de sítio» pela Comissão Coordenadora do MFA, a 30 de setembro António de Spínola demitiu-se comunicação ao país transmitida em direto pela rádio e pela televisão.
O rebuliço não amainou. Bem pelo contrário. E ao ser informado pelos serviços secretos franceses de que, apoiados pela União Soviética, o COPCON de Otelo, a LUAR e o Partido Comunista tinham planos para aprisionar cerca de 500 civis e 1000 militares afectos à sua linha, abatendo alguns deles no que se denominara a Matança da Páscoa, Spínola concordou com golpe que o evitasse.
A 10 de Março de 1975, largou, sorrateiro, da sua casa em Massamá, disfarçado com barbas postiças (e a esposa à ilharga) para Base Aérea de Tancos, comandada pelo coronel Moura dos Santos, junto do Regimento de Caçadores Pára-Quedistas, comandada pelo coronel Rafael Durão (cuja família já fizera e ainda haveria de fazer história no pentatlo moderno, nos Jogos Olímpicos).
Partindo de Tancos, às 11.45 horas de 11 de março, dois aviões dois aviões T6 e quatro helicópteros sobrevoaram e atacaram com rajadas de metralhadora o quartel do RAL1, perto do Aeroporto de Lisboa – matando um dos seus soldados: Joaquim Carvalho Luís. Pouco mais de uma hora passada, o golpe foi, porém, dado compo perdido – e a Emissora Nacional lançou ao ar comunicado de Vasco Gonçalves a afiançá-lo: «A aliança entre o Povo e as Forças Armadas demonstrará, agora como sempre, que a revolução do PREC é irreversível».
De helicóptero escapou Spínola para a Base Aerea de Talavera de La Real, em Espanha, com mais 15 dos seus leais oficiais – e Portugal entrou no Verão Quente, incendiado pela vaga (comunista) das ocupações de terras e casas e pelas nacionalizações, pelas prisões de capitalistas e banqueiros (como Jorge Brito, o do Benfica, e José Roquete, o do Sporting, por exemplo), pelas nacionalizações e as acelerações dos independência das colónias. Pelo caminho, rebentaram bombas (umas postas mais à direita, outras mais à esquerda) e assaltaram-se sedes de partidos (quer de direita, quer de esquerda) – tudo isso (e mais) foi o PREC.