ANTES DE SER O PRESIDENTE QUE GANHOU A TAÇA DAS TAÇAS, FOI DEPUTADO E NUM DOS SEUS DISCURSOS DEIXOU SALAZAR ENCANTADO
Quando (a 27 de setembro de 1968) Marcello Caetano substituiu António Oliveira Salazar na Presidência do Conselho – puxou o general Horácio José Sá Viana Rebelo para seu Ministro da Defesa Nacional. Admitido sócio do Sporting em outubro de 1944, acabara de ser promovido a capitão do exército e, para além de engenheiro e professor da Academia de Altos Estudos Militares, tornara-se membro da Junta Central da Legião Portuguesa.

Salazar fez o que era raro: abrir São Bento para fazer homenagem à equipa do Sporting que ganhou a Taça das Taças de 1963/1964
Um ano volvido, fizeram-no deputado da União Nacional, pelo parlamento andou até 1950 – e uma das mais emotivas intervenções de Sá Viana Rebelo em São Bento foi para repudiar as «notícias tendenciosas publicadas nos jornais estrangeiros» sobre o estado do Estado Novo. Salazar gostou tanto que o chamou para o governo, deu-lhe o cargo de subsecretário de estado do Exército.
Passou de tenente-coronel a coronel – e, entre 1956 e 1959, foi governador-geral de Angola. No regresso de Luanda, subiu a brigadeiro – e voltou ao Instituto de Altos Estudos Militares. E depois à Academia. Foi lá, quando estava como professor do curso de Estado-Maior, que o foram convencer a assumir a presidência do Sporting, a presidência a que vários outros ilustres foram fugindo, apesar de desafiados, de instigados.

Depois do Sporting falhar o ataque que fez a Pelé, Brigitte Bardot foi dar pontapé de saída a jogo que o Santos fez em Paris
Apesar de, nessa época, Juca ter sido campeão – Sá Viana Rebelo concordou que para se fazer do Sporting o que o Benfica já era: uma das melhores equipas da Europa, seria melhor contratar treinador de maior renome – e a sua primeira tentação foi um… comunista: Gustav Sebes que fora selecionador do fascinante Dream Team da Hungria que a invasão soviética de Budapeste estraçalhara, levando a que Puskas, Kocsis, Czibor (& e várias outras estrelas) se tornassem exilados políticos. Quando Sebes (que também fora ministro dos Desportos) recebeu, surpreendido, o convite, correu a pedir autorização ao governo (que a URSS voltara a impor à força dos seus tanques) e como não lha deram, para Alvalade veio, então, Gentil Cardoso, famoso brasileiro. E pelo caminho também lhe falharam duas tentativas que teriam sido ainda mais estrondosas: trazer para o Sporting o Pelé ou o Garrincha…

Falhando a contratação de Pelé, o Sporting ainda tentou Garrincha. Dava 2000 contos por um ano de empréstimo em Alvalade e, apesar de lesionado, o Botafogo não o cedeu
Depois de Angola (logo após Sá Viana Rebelo deixar de ser seu governador), abrira-se na Guiné nova frente de combate pela independência – e, discursando pela rádio e pela TV, Salazar largara em tom de quase brado:
– Havemos de chorar os mortos se os vivos o não merecerem.
O Terreiro do Paço agitou-se em «grande manifestação de apoio à política ultramarina» – e ele, o presidente do Sporting, estava lá, na primeira linha. Tal como Góis Mota, seu presidente da AG, que, entre os murmúrios da oposição se dizia ser o mais terrível comandante da Legião e que, certa vez, na Tapadinha, entrara no balneário do árbitro, a ameaçá-lo, de pistola na mão (e isso, sim, parece que é mito…).

Foi assim, no cantinho do Morais, que o Sporting (de Sá Viana Rebelo) ganhou a Taça das Taças
Ao tomar posse como presidente do Sporting a 10 de abril de 1963, Sá Viana Rebelo vincou-o: só aceitava um mandato, mandato que terminou a 29 de maio de 1964 porque o prolongaram por um mês para que ainda fosse presidente no dia em que o Sporting jogasse a final da Taça das Taças que ganhou aos húngaros do MTK (que antes do domínio soviético fora clube de judeus, o clube onde se lançou Béla Guttmann e passara a ser o clube da polícia.)
Do Sporting saiu, pois, com a Taça das Taças – e outra obra emblemática: o centro de estágio de Alvalade que começou por se chamar Solar dos Leões e teve como autor do projeto Anselmo Fernandez (o arquiteto que se tornou treinador, depois da derrota por 4-1 em Manchester e já no banco levou à mais histórica reviravolta do clube, nos 5-0 ao United em Alvalade, talvez o ponto mais alto da história nessa Taça das Taças resolvida, depois, em Antuérpia, no cantinho do Morais que até virou cantiga…)
Na presidência de Horácio Sá Viana Rebelo ainda se sanou grande parte do passivo que herdara (em torno dos 23 mil contos) e quando Marcelo Caetano se tornou presidente do Conselho, chamou-o para Ministro da Defesa. No cargo assinou ordem para se pagarem os 5500 contos de despesas médicas de Salazar entre a sua queda e morte. (E Manuel Nazaré, moçambicano e negro – e um dos médicos que tratara de Salazar andava então a presidente do Sporting, à espera que João Rocha o fosse…)
DOS DECRETOS QUE SÁ VIANA REBELO ASSINOU NASCEU O MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS (E SEM ISSO NÃO HAVERIA 25 DE ABRIL)
Por altura da posse de Horácio Sá Viana Rebelo como Ministro da Defesa Nacional pelos teatros de guerra nas colónias espalhavam-se 117 684 homens: 58 230 em Angola, 36 615 em Moçambique e 22 839 na Guiné. Apesar de nisso os verdadeiros números serem «segredo de estado» – estimava-se que pudesse haver já mais de 5000 baixas (e entre os mortos estavam, por exemplo, um dos filhos de José Szabo, o treinador mais ganhador do Sporting, e um dos filhos de Francisco de Cazal-Ribeiro, que, sendo, como Góis Mota, um dos líderes da Legião, fora presidente do Sporting entre 1957 e 1958 – e presidente do Conselho Fiscal durante o mandato de Sá Viana Rebelo).

Horácio Sá Viana Rebelo foi de presidente do Sporting (com a Taça das Taças) para ministro da Defesa (sem Salazar)
Num sinal do que já se dizia que era a «primavera marcelista», desatou-se rumor de que Caetano cogitava lançar Sá Viana Rebelo como candidato a Presidente da República (para se desfazer de Américo Tomás) – e, em vez disso, Sá Viana Rebelo tornou-se vítima do Movimento de Capitães que haveria de levar à Revolução (ainda em data certa) e Otelo Saraiva de Carvalho recordaria assim:
– Sim, foi por razões corporativas que se iniciou o Movimento dos Capitães quando os militares de carreira se viram, de repente, ultrapassados nas suas promoções por antigos milicianos que, através de um decreto-lei de um governo desesperado por não ter mais capitães para mandar para a guerra colonial, permitia a entrada desses antigos milicianos no quadro…
Sim, fora para fazer face à escassez de comandantes para as operações no mato (na Guinés, em Angola e em Moçambique) que Sá Viana Rebelo assinou os decretos que favoreciam o acesso de oficiais milicianos ao Quadro Permanente (dando-lhes, assim, regalias equiparadas a quem abrira carreiras por exemplo através da Academia Militar). Para tal bastaria um curso intensivo para capitão – e, achando que, de tal forma, se estavam a criar «capitães de aviário», os profissionais das Forças Armadas atiraram mais achas à discórdia.
Dando-se, ainda, o que se achou «recuo» do ministro: isentarem-se do regime geral os oficiais superiores mas mantendo-se, abrangidos pelo Decreto-Lei 353/73, os capitães e subalternos – foi pior a emenda que o soneto: de entre reuniões secretas em Portugal e na Guiné saiu, a 21 de agosto de 1973, o que então se apelidou de «Movimento dos Capitães». E, na esperança de que, assim, se apagasse o alvoroço que se lhes percebia (ou se insinuava), Marcello Caetano acabou por dar à contestação a cabeça de Horácio Sá Viana Rebelo, forçando-lhe a demissão a 7 de novembro de 1973.

Decretos de Sá Viana Rebelo para resolver falta de comandantes na guerra colonial abriram caminho à revolução
Semanas depois, já com Silva Cunha no seu lugar, o Expresso mandou ao Exame Prévio (como passara adesignar-se a Comissão de Censura) notícia que dizia: «O general Horácio Sá Viana Rebelo, que, até à última remodelação ministerial, ocupou o cargo de ministro da Defesa Nacional, será em breve nomeado para o Conselho de Administração da Companhia Portuguesa de Electricidade. Engenheiro, o general ocupará, provavelmente, a presidência» – e, estranhamente (ou talvez não) determinação do censor de serviço foi:
– Não sair nada!
Não pôde, pois, sair essa, como não pôde sair outra notícia que ia no rol (e essa até se perceberia melhor…): «Uma manifestação de características invulgares teve ontem lugar no liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, onde cerca de 600 das jovens alunas se reuniram num meeting de protesto pela detenção de uma sua colega».
POR NÃO QUERER QUE NO VITÒRIA DE SETÚBAL, PARA SE CASAR FOSSE PRECISO AUTORIZAÇÃO, PEDROTO DEMITIU-SE EM ESTRONDO
Abalo ainda maior se soltaria do livro de António de Spínola: Portugal e o Futuro – e, em mais uma secreta reunião em Cascais, o que fora o Movimento dos Capitães e já se tornara Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, decidiu de vez que a solução teria de ser uma… revolução. O primeiro golpe (lançado precipitadamente por spinolistas) a partir do quartel das Caldas da Rainha, a 16 de março, falhou – e, nos jornais dessas tarde, o que se viu em manchete era, afinal, uma ilusão: «Reina a ordem em todo o país»!

Já com a Ditadura desfeita, o Sporting juntou ao campeonato de 1973/1974, a Taça de Portugal
Chegando-se, então, a 22 de abril de 1974, em A BOLA desse dia Carlos Pinhão realçou-o: «… perdendo o Sporting um ponto com o Beira-Mar, ficou o Benfica (que batera a Académica por 5-0) a um escasso ponto. E ficou a dois pontos do Sporting um Vitória de Setúbal que parecia arrumado e não está.» Vencendo no Montijo por 3-0, os setubalenses tinham José Augusto (bicampeão europeu no Benfica) a seu treinador -porque José Maria Pedroto deixara de sê-lo em estrondo: ao saber que Xavier de Lima decidira colocar os jogadores sob alçada de regulamento que os impedia de «frequentar praias ou piscinas», que os obrigava a que as entrevistas dependessem de «ordens superiores e exames prévios» (e para se casarem também precisavam de «autorização», podendo fazê-lo unicamente nas «férias do verão») – demitira-se com brado raro à época:
– Não posso admitir a lei da rolha e se eu sou um homem livre quero que os outros também o sejam!
e foi já em liberdade que o Sporting (que tinha, então, como diretor do futebol Alberto Neto que era o pároco da Capela do Rato na noite da vigília que lá se fizera numa das mais históricas contestações à ditadura e à guerra colonial…) se fez o campeão.