Os árbitros trataram o seu presidente como «colonialista assassino», ele demitiu-se e só depois mandou «pôr bombas»…

Não, não foi muito mais o tempo em que Alpoim Calvão continuou presidente da Federação Portuguesa de Remo pois quando Portugal entrou no PREC (com Vasco Gonçalves acamaradando-se a Álvaro Cunhal como Primeiro-Ministro), a queda em desgraça de António de Spínola precipitou-lhe o exílio…

NADAVA, VELEJAVA E REMAVA E VENDO EM MOÇAMBIQUE UM NAVIO DE GUERRA A PASSAR, MUDOU-SE-LHE A VIDA…

Nascido em Chaves, a 6 de janeiro de 1937, Guilherme Almor de Alpoim Calvão foi bebé para Lourenço Marques:

Vivendo à beira-mar, aprendi a nadar aos 5 anos. Cedo comecei a velejar e a remar. Um dia, passou por lá navio de guerra e houve contacto com os cadetes que vinham em formação. A minha mãe, ao ver-me interesse, perguntou-me se queria ir para a Marinha – e quando acabei o Liceu, vim para a Escola do Exército.

Chegando-se a outubro de 1963 indicaram-no para a Guiné como comandante do 8.º Destacamento de Fuzileiros Especiais – e, por lá, lhe deu fama a Operação Mar Verde (seis anos volvidos). A URSS enviara ao PAIGC (movimento lançado na luta pela Guiné e por Cabo Verde) vedetas-torpedeiras, força que Alpoim Calvão dirigia, sorrateira, infiltrou-se no porto de Conacri e transformou-as em bolas de fogo. Ainda libertou 26 militares portugueses que lá estavam cativos e o golpe só não foi «perfeito» porque informações erradas da PIDE não lhe permitiram encontrar nem Amílcar Cabral (o líder do PAIGC) nem Sekou Touré (presidente da Guiné-Conacri que abrira o seu território a bases de ataque às tropas portuguesas instaladas na Guiné-Bissau sob comando geral de António de Spínola) que, na operação, se idealizara «aniquilar».

(A Amílcar Cabral acabaria por ser a PIDE a assassiná-lo em Janeiro de 1973. Com a ajuda de elementos do seu próprio partido, que o traíram. Quando, nos anos 40, viera para o Instituto Superior de Agronomia jogava futebol. Pelo ISA foi campeão universitário. O seu brilho chegou às Amoreiras, o Benfica desafiou-o a testes na equipa principal, preferiu continuar a estudar para engenheiro…)

NÃO QUERENDO PARTICIPAR NO 25 DE ABRIL, COM PORTUGAL NO PREC FUGIU À PRISÃO ESCONDIDO NO TELHADO DE SEMINÁRIO EM BRAGA

Retornando Alpoim Calvão a Lisboa (com a aura de «herói de guerra»), Pinheiro de Azevedo desafiou-o ao MFA:

Perguntei-lhe: «E o Ultramar, como é?» Respondeu-me que era uma questão de autodeterminações, achei isso vago e insisti. Claro que eu achava que as democracias são os menos maus dos regimes, mas queria garantias sobre o Ultramar. Como ele não saiu das autodeterminações, pedi-lhe que não contasse comigo.

Não participando, pois, Calvão nas operações do 25 de Abril, entrou, porém, em apoio a António de Spínola na preparação da Manifestação Silenciosa (de 28 de setembro de 1974) e no golpe de 11 de Março de 1975 – que o atirou ao exílio:

Quem se lixou foi o Velho, o Spínola. Que teve de ir para Espanha de helicóptero. Tendo de dar lugar no helicóptero a outros, a minha fuga dava um livro de aventuras. Andei a pé, de camioneta, de táxi, à boleia com amigos, sempre em direção ao Norte. Para passar as barreiras, tive de deitar fora a pistola e os documentos, que foram encontrados, e levaram a que a perseguição contra mim se acirrasse. Num café, vi o meu retrato na televisão, como procurado. Não pude entrar em Chaves, porque o Costa Gomes, que também era de lá, mandou cercar as casas de toda a minha família. Acabei escondido por antigos empregados do meu avô, e passei a fronteira a salto, num dia de chuva. Fui para Madrid, e bati à porta do João Rocha, que tinha um apartamento no Eurobuilding, perto da Castelhana… (contá-lo-ia Guilherme Alpoim Calvão numa entrevista ao Sol).

Criando com António de Spínola o MDLP (Movimento Democrático para a Libertação de Portugal), o COPCON (de Otelo Saraiva de Carvalho) transformaria Alpoim Calvão no «vulto mais procurado das redes bombistas de direita» – e por um fio que não o apanhou: viera a Braga clandestinamente reunir-se com o cónego Melo, descobrindo-o forças do Regimento de Infantaria cercaram o edifício, capturaram os majores Mira Godinho e Benjamim de Abreu mas Alpoim safou-se escondido, durante 11 horas, no telhado do Seminário de São Tiago – e, algum tempo depois, de si se soltaria a revelação de como vivera esses tempos de «verão» e por que os vivera como os viveu:

Tínhamos [o MDLP] contactos estreitos com muitos oficiais. No Conselho da Revolução, com Canto e Castro e Pinho Freire, por exemplo, mas dentro do Exército também. O Eanes foi contatado mas como já estava comprometido com o grupo dos Nove, não pôde aceitar. No entanto, esteve sempre ao corrente de tudo, soube a cada momento o que se ia passando. Se houvesse um conflito armado [em Portugal] havia que estar preparado para ele. Pela minha parte arranjei duas mil armas que pedi ao Holden Roberto em troca de uma operação que faria para ele – fechar o porto de Luanda – que afinal acabou por não se consumar. Mas isso é outra história… Mas o Holden Roberto cumpriu a parte dele, entregou-me duas mil armas e quinhentas mil munições. Tinha desconfiança em relação a muitos militares, por exemplo: vinham aos molhos comer à mesa do poder! Alguns Conselheiros da Revolução andavam num desvario, para dividir os BMW do Jorge de Brito ou os Mercedes do Jorge de Mello… Outros, civis ou militares, insultavam diariamente na rádio os soldados portugueses que ainda estavam em África…»

COM O MAJOR VALENTIM A CAMINHO DO FIM DAS BOMBAS MANDADAS…

Mal se dera o 25 de abril de 1974, Valentim Loureiro inscrevera-se no PPD de Francisco Sá Carneiro. Tinha o futebol do Boavista nas suas mãos – e ao assinar a ficha juntou donativo de 50 contos ao partido. Desatando a «desconfiar dos comunistas», para combatê-los juntou-se ao MDLP:

Mas nunca tive nada a ver com as bombas, nem as paguei, nem as mandei pôr.»  Era, pois, essencialmente «homem dos contactos – e quando o MFA se partiu e o Grupo dos 9, liderado por Melo Antunes, quis cortar caminho à «revolução socialista», apareceu o major Valentim a juntar-lhe as pontas – reunindo (por junho de 1975) em sua casa, Vítor Alves, uma das grande figura dos 9 com Alpoim Calvão e cónego Melo (que haveria de tornar-se presidente da AG do SC Braga) «para discutirem a melhor forma de retirar o país da desordem e da ditadura comunista!»

Antes de se tornar o primeiro árbitro português de alta classe internacional, António Garrido entrou na contestação a Alpoim Calvão

Pondo-se fim ao PREC a 25 de novembro de 1975 (já com José Pinheiro de Azevedo no lugar de Vasco Gonçalves, filho de Vítor Gonçalves que fora futebolista do Benfica e como treinador levara o Benfica à conquista do primeiro título de campeão da I Liga)  o MDLP foi «fechando a loja devagarinho» (revelou-o Alpoim Calvão) – e, apesar de alguns dos seus operacionais continuarem mais algum tempo a «espalhar terror» (contra a esquerda) pelo país, Alpoim Calvão jurou-o:

Um dos responsáveis pelo sucesso desse 25 de Novembro foi o Otelo. Porque foi ele que reintegrou o Jaime Neves nos Comandos. Ele fora saneado por um grupúsculo de extremistas… Se ele não o tem feito, estou certo de que o 25 de Novembro não teria ocorrido nem naquela data, nem daquela maneira. Já depois do 25 de Novembro ainda apareceram aí umas bombas que ninguém mandou pôr. Antes disso, podem dizer que fui eu que as mandou pôr, a todas, que eu não desminto. Depois disso, nem uma! Bem, as coisas foram-se resolvendo pelo tempo e pelo diálogo, embora, dentro daquilo que restava do MDLP, houvesse ainda quem continuasse a pôr bombas quase por profissão, mas eu já não tive nada a ver com isso…

NO ELOGIO FÚNEBRE, O POEMA DE MIGUEL TORGA (QUE A CENSURA PROIBIRA QUE TIVESSE LIVROS EM «BIBLIOTECAS OPERÁRIAS»)

De Espanha fugira para o Brasil, por lá se diplomou em Administração de Empresas, fazendo também curso de piloto de aviões monomotores e, algures por 1978, Guilherme de Alpoim Calvão retornou a Portugal. Nesse mesmo ano reintegraram-no nas Forças Armadas e, passando à reserva em 1986, os últimos anos de vida passou-os entre Cascais e Bissau, na Guiné criara uma fábrica de transformação de caju. Como mecenas contribuiria para o restauro da fragata Dom Fernando II e, depois, já por 1999, para o doar ao Museu da Marinha, adquiriu o altar portátil que acompanhou a primeira expedição portuguesa à Índia.

Falecendo no Hospital de Cascais, a 30 de setembro de 2014, as suas cinzas foram atiradas ao mar a partir da fragata NRP Corte Real – o comunicado da Marinha que fechada com citação de Miguel Torga (que durante o salazarismo teve livros como os Bichos, Criação, Vindima e Diário «proibidos em bibliotecas de agremiações operárias, por razões óbvias», podendo «apenas ser vendidos a particulares» – e a justificação da Censura para as «razões óbvias» foi ser escritor que «procura motivos sugestivos, em prol da descrença, da aversão ao dirigente ou ao afortunado, fomentando o desrespeito social»…)

«Quando chegar a hora decisiva/Procurem-me nas dunas, dividido/Entre o mar e a terra»

Esse comunicado da Marinha tinha por título: «comandante Alpoim Calvão, fuzileiro sempre» e  fazia-se-lhe-assim o elogio fúnebre: «Foi o oficial mais condecorado da Marinha, foi dos poucos militares agraciados com a medalha da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com Palma, que é atribuída por feitos em combate. O comandante Alpoim Calvão distinguiu-se na guerra do ultramar, participando em diversas missões operacionais, tais como as Operações Trovão e Tridente, como Comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 8. Planeou e comandou a Operação Mar Verde que permitiu a libertação de prisioneiros portugueses. Foi um brilhante estratega e com elevadas qualidades militares provadas em campanha e é uma referência para os fuzileiros, honrando a Marinha e as Forças Armadas Portuguesas». Diferente, pois, do tom como o trataram os árbitros que o queriam afastado da Comissão Central, na passagem de Portugal da ditadura à democracia…