“O relato é um acto de cultura”, diz Pedro Azevedo

Pedro Azevedo na apresentação do livro, no dia 23 de Npvembro, na Póvoa de Varzim, rodeado por Carlos Daniel, Jornalista, e José Manuel Lopes de Castro, da editora Bluebook e antigo presidente do Varzim SC (Foto Arquivo Pessoal de Pedro Azevedo)

 

Pedro Azevedo é jornalista, é relatador e jornalista e tem uma carreira feita. Publica agora o livro “Relato de futebol”,uma obra que aborda um tema que não tinha em Portugal nenhum estudo antes. E o livro é feito como uma tentativa de ciência sobre algo pouco ou nada estudado – o relato de futebol. Tem o valor da experiência e o valor do estudo, da forma como o Pedro Azevedo olha para a sua profissão a partir de um ângulo diferente.

“O primeiro relato que fiz foi na Rádio Onda Verde, uma rádio “pirata”da Póvoa de Varzim, a minha terra. Colaborava com eles e um dia disseram-me que já tinham publicidade para fazer o relato de um jogo do Varzim, só que não tinham narrador. E perguntaram-me se eu não queria fazer, porque tinha jogado seis anos futebol nas camadas jovens do Varzim. Eu disse que sim e a 27 de Outubro de 1987 fui fazer o Varzim-Gil Vicente, que o Varzim ganhou 3-1.

“Em 1988 convidaram-me para a TSF, que na altura só se ouvia em Lisboa. A TSF tinha o Jorge Perestrello, o David Borges e o Fernando Correia, até fiz alguns relatos com o Perestrello, mas logo depois, em Abril, num domingo, telefonou-me o Ribeiro Cristóvão a convidar-me para a Renascença. Eu disse logo que sim. Era para um período experimental, mas fiquei logo. Comecei num Rio Ave-Portimonense e logo a seguir fiz dois FC Porto-Benfica, um para o campeonato e outro para a Taça. Dos meus primeiros três relatos, dois foram FCPorto-Benfica, o que não é normal”.

(Pedro Azevedo tornou-se uma voz carismática da Rádio Renascença, da qual foi chefe de Redação e para a qual fez mais de dois mil relatos de jogos de futebol).

“Antes de tudo isto, eu ia com o meu pai, que era correspondente do JN, ver os jogos do Varzim para a tribuna de Imprensa e havia sempre um senhor da RDP que fazia o relato e aquilo fascinava-me. No carro, no regresso, ainda ouvíamos os comentários, ou outros jogos que tinham começado mais tarde. Sei que aos 8 anos fazia relatos de jogos com os cromos. Aí nasceu tudo.

(Este foi o início de uma carreira que continua hoje. No dia 29 de Novembro, Pedro Azevedo completa 57 anos e no dia em que foi apresentado o livro, na Póvoa, foi inaugurada uma estátua do pai, José de Azevedo, que chegou a ser até presidente da Câmara da Póvoa)

“Este é um livro técnico. Não havia nada em Portugal sobre Relato desportivo e foi isso que me fez avançar para o escrever – o livro estava pronto há um ano, mas a morte do meu pai fez com que deixasse o livro de lado.

“São 38 épocas desportivas a fazer relatos, também na tv, na Sporttv, desde 2019, o que acho que me dá alguma legitimidade para poder falar destas coisas. Este livro representa o meu mundo, a minha paixão e a minha vida. É um testemunho fundamentado na minha experiência e no que estudei, porque me licenciei em Ciências de Comunicação, na Universidade da Maia. E logo no primeiro capítulo faço uma lista mais ou menos longa dos relatadores de futebol em Portugal, numa pequena homenagem aos meus colegas..

(Cabe aqui dizer que Pedro Azevedo se formou com uma média final de 18,49, a melhor nota de sempre de um curso que começou em 2006 na Universidade da Maia)

“O que é um relato? Arte, informação e entretenimento. É um género discursivo, claro, produzido pelo narrador e que se enquadra no discurso institucional do jornalismo, na reportagem. Atravessa todos os géneros da reportagem: é informativo, expositivo, narrativo, descritivo e opinativo.Expõe informação, narra com espaço, tempo e personagens e o narrador não deixa de ter um discurso valorativo, opinativo.

“Começa com um ato de imitação – a fala é uma imitação.

(Os melhores relatos, pelo menos, são aquilo tudo que diz Pedro Azevedo, obras ricas e pouco estudadas, apesar da importância que têm e tiveram os relatos desportivos)

“O primeiro capítulo é um bocadinho de História do relato para dar enquadramento. O primeiro relato de um jogo foi da BBC, a 22 de janeiro de 1927, de um Arsenal-Sheffield; em Portugal foi em 23/01/1938, um Benfica-Sporting no antigo campo das Amoreiras e o Benfica ganhou 3-2 e foi feito por José Ayala Botto; o primeiro jogo em televisão foi obviamente na RTP, que começara as emissões em 1957 e no ano seguinte transmitiu um Sporting-Áustria Viena, em fevereiro, um jogo amigável. Grande nome dessa altura e dos anos 60 foi Domingos Lança Moreira, locutor, jornalista e produtor. Em 1966, na sequência do brilharete dos Magriços, no Mundial de Inglaterra, a Emissora Nacional começa a fazer os relatos em cadeia dos jogos da I Divisão, que eram em princípio todos à mesma hora, às 15 de domingo. O rádio transistor a pilhas foi muito importante na disseminação dos relatos pelo povo, porque as pessoas andavam com o rádio a ouvir os relatos, nomeadamente nos próprios estádios. O ano de 1998 marca a fronteira a partir da qual há menos relatos na rádio e mais na televisão, porque nasce o primeiro canal televisvo dedicado ao desporto, a SportTv. Aí muda o paradigma, o relato passa a ser mais na TV. A narrativa audiovisual ultrapassa a narrativa áudio.

(É história recente mas importante. Os meios tradicionais começam a transformar-se a grande velocidade e a mudar toda a relação entre emissão e recepção)

“Mariano Cebrián Herreros, professor da Universidad Complutense, de Madrid, fez-me descobrir muitas coisas com o seu livro de 1978 “Introdução à Linguagem da Televisão: uma perspetiva semiótica” e que aconselho a quem se interessa por isto. Ele diz que a realidade sonora e a realidade visual abraçam-se na televisão, porque a rádio é essencialmente sonora. Mas não só, atenção, porque a rádio cria uma imagem, pela descrição que vai fazendo, ou porque posso transmitir o relato como fazem alguns com uma câmara de telemóvel virada para mim. Mas a realidade sonora tem vários níveis, desde logo o verbal, usa o ritmo, a modulação da voz que é muito importante – não relato um remate à baliza como um passe a meio-campo – e outras. Os ruídos fazem parte e há os icónicos, que são o som ambiente, e os ruídos propriamente ditos, que podem ser vários, até a repetição desnecessária de palavras o que é um tipo de ruído. Os silêncios também fazem parte – quando o Feher caiu em Guimarães percebi logo que era grave e o meu silêncio marcou esse pressentimento. Um silêncio dramático. Outra marca são o que chamamos vinhetas – houve uma altura em que os nomes dos relatores eram cantados na RR, creio que uma coisa trazida pelo Artur Agostinho do Brasil Tudo isto vai dar ao sistema audio-scripto-visual e se torna realidade cinética, porque tudo é movimento. E o conjunto de todos os sistemas forma a narrativa audiovisual que tem no relato um alicerce.

(Pedro Azevedo fez isto tudo antes de estudar o tema. Mas é melhor sabermos porque fazemos certas coisas, quanto mais não seja porque só assim podemos melhorá-las)

A mesa na apresentação do livro (Foto Arquivo Pessoal de Pedro Azevedo)

“O livro é um manual para quem quer fazer relato e para quem já faz relato. Não me quero colocar em bicos de pés, nada disso, mas se estivesse a começar gostava de ter um livro destes para me apoiar. E não há outro em Portugal.

“Há outro capítulo em que falo de teoria da comunicação e falo da mais estudada de sempre, a de Harold Lasswel, dos ‘5W’, em inglês: Quem diz? Diz o quê? Em que canal? Para quem? E com que efeito? Lasswel era americano, nasceu no início do século passado e estudou sobretudo a comunicação política, de que é um dos pais, procurou a forma de ter mais impacto nos tempos de guerra, por exemplo. É um dos lados científicos do livro.